Papa vai ao México pôr o dedo nas feridas da violência e da pobreza
Chiapas, Juaréz e Michoacán são as etapas maiores de uma visita de cinco dias ao segundo maior país católico do mundo. Oração com migrantes na fronteira dos EUA promete ecoar no país vizinho.
Ao México não faltam problemas e nos cinco dias de visita ao país o Papa planeia pôr o dedo em quase todas as feridas. Na pobreza de Chiapas, nas terras assombradas pelos cartéis dos narcotraficantes de Michoacán ou na cidade de Juaréz, onde a violência, o medo e os sonhos desfeitos de milhares de imigrantes se cruzam, os mexicanos esperam com ansiedade palavras de alento, mas também que Francisco não seja brando na denúncia da corrupção, do crime ou da indiferença dos poderosos.
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Ao México não faltam problemas e nos cinco dias de visita ao país o Papa planeia pôr o dedo em quase todas as feridas. Na pobreza de Chiapas, nas terras assombradas pelos cartéis dos narcotraficantes de Michoacán ou na cidade de Juaréz, onde a violência, o medo e os sonhos desfeitos de milhares de imigrantes se cruzam, os mexicanos esperam com ansiedade palavras de alento, mas também que Francisco não seja brando na denúncia da corrupção, do crime ou da indiferença dos poderosos.
O jornal El País fala numa “viagem de alta voltagem”, onde cada uma das etapas “é puro dinamite”, com tanto para ouvir e falar que as 120 horas em terras mexicanas parecem curtas para uma agenda tão carregada. A Cidade do México, capital e metrópole de oito milhões de pessoas, servirá de base à visita papal, mas Francisco vai cruzar o país de Norte a Sul para ir a cidades que nenhum dos seus dois antecessores visitou. E para cada uma preparou discursos repletos de recados e gestos de grande simbolismo.
“O Papa vai falar muito claro”, garantiu ao diário espanhol Gian Maria Vian, director do Osservatore Romano e membro do círculo próximo de Francisco, deixando no ar a expectativa de que proferirá palavras fortes como as que usou quando, no início do pontificado, foi a Lampedusa denunciar a “globalização da indiferença” perante as mortes no Mediterrâneo ou quando, em 2014, foi ao berço da máfia italiana garantir que os que vivem do crime “estão excomungados da Igreja”.
“O México da violência, o México da corrupção, o México do tráfico de droga, o México dos cartéis não é o México que a nossa mãe [virgem Maria] quer”, disse o Papa argentino numa entrevista à agência de notícias Notimex antes da viagem, a sétima de um líder da Igreja Católica ao segundo maior país católico do mundo, visitado cinco vezes por João Paulo II.
São muitos os desafios da Igreja no país – considerado o mais perigoso do continente americano para os padres (36 foram mortos só na última década), onde os cultos evangélicos crescem a um ritmo acelerado e a hierarquia católica é acusada de proximidade com o poder e complacência com a corrupção. Problemas que Francisco vai abordar nos encontros com os bispos e sacerdotes, parte da dimensão mais religiosa de um périplo a que não podia faltar a visita à basílica da Virgem de Guadalupe, a padroeira do México, no sábado.
Mas as atenções, dos mexicanos e da imprensa, estarão postos noutros lados. Estarão fixos em Chiapas, o mais pobre dos estados mexicanos, no Sul do país, onde um terço da população é indígena e sofre a dupla discriminação que essa condição lhe destina. “Vou lá porque a população indígena vive na pobreza”, explicou o Papa, que na segunda-feira celebra missa em San Cristobal de las Casas e visita o túmulo do antigo bispo de Chiapas, Samuel Ruiz, um apoiante da Teologia da Libertação, venerado ainda hoje pela sua defesa intransigente das populações nativas. Em Chiapas, Francisco assinará um decreto para autorizar o uso das línguas nativas nas celebrações religiosas e o Vaticano anunciou que ele próprio se dirigirá aos fiéis usando três idiomas locais.
No dia seguinte rumará para Morelia, no estado de Michoacán (sudeste), que chegou às manchetes internacionais quando, em 2013, milícias de camponeses pegaram em armas contra um dos cartéis que enxameiam a região, terra sem lei onde há padres ameaçados a celebrar a missa de colete à prova de bala e os sequestros e execuções se sucedem – nos últimos três meses contabilizaram-se 290 homicídios, 52 só em Janeiro. Poderá o Papa que excomungou os mafiosos repudiar com igual fúria os narcotraficantes que muitas vezes usam a religião como capa? “Ele não tem medo de dizer aquilo que pensa que as pessoas precisam de ouvir”, garantiu à CNN o bispo Daniel Flores, de Browsville, no Texas, que o acompanha na visita.
Em Juárez a olhar para os EUA
Para o final, Francisco deixou Juárez, cidade que no início da década era considerada “a capital mundial dos homicídios” (3600 só em 2010), última estação do narcotráfico antes da fronteira americana e terra de passagem para os milhares de imigrantes que, seguindo as mesmas rotas, tentam entrar nos Estados Unidos.
As autoridades locais reivindicam o renascimento da cidade, onde a violência diminuiu, não porque a guerra contra o narcotráfico movida pelo ex-Presidente Felipe Calderón tenha sido ganha, mas porque o cartel de Sinaloa esmagou os seus rivais na cidade. Ainda que menos visível, o crime continua entranhado – pela cidade os cartazes de boas-vindas a Francisco rivalizam com os rostos de mulheres jovens desaparecidas que se receia terem sido, como centenas de outras antes delas, sequestradas por gangues que as forçam a prostituir-se e que, muitas vezes, acabam por matá-las com requintes de sadismo. “Eles querem fazer crer que em Juárez tudo está bem, mas a cidade tem problemas graves”, disse ao jornal La Croix um padre que integra uma comissão de ONG que tentam organizar um encontro entre o Papa e os familiares dos desaparecidos.
Mas o calvário de Juaréz não se esgota na violência. Passa pela exploração dos operários nas fábricas que as multinacionais instalaram junto à fronteira e nas condições miseráveis em que vivem os emigrantes que esperam oportunidade para atravessar o rio Grande e entrar nos EUA. Será dali que Francisco enviará a sua mensagem mais audível, capaz de ecoar do outro lado da fronteira, onde a imigração é prato forte das eleições primárias. Quarta-feira, a poucos metros do posto de El Paso, rezará na companhia de algumas centenas de migrantes indocumentados – já conhecidos como “os VIP do Papa” – por todos os que morreram a tentar a travessia.
“O simbolismo deste momento não escapará a ninguém”, disse à CNN Joe Boland, responsável de uma ONG americana que trabalha na zona. Prova disso, Donald Trump, que fez da construção de um muro com o México promessa de lançamento da sua campanha à nomeação republicana para as presidenciais de Novembro, acusou na quinta-feira o Papa de ser “uma pessoa demasiado política, que não percebe os problemas” dos EUA. O padre Javier Calvillo, que gere um abrigo para migrantes na cidade, sabe que qualquer coisa que Francisco diga será já uma enorme ajuda. “Não lhe peço nada, porque a sua simples vinda a Juárez para aqui pegar no microfone será já o melhor prenda que eu poderia esperar”.