Fabius de saída no dia em que revisão constitucional passou primeiro obstáculo
A pouco mais de um ano das presidenciais, Hollande joga em vários tabuleiros estratégia para contrariar impopularidade. Saída do chefe da diplomacia é peça central de remodelação governamental prestes a ser revelada.
A Assembleia Nacional francesa aprovou nesta quarta-feira, por larga maioria, o projecto de revisão constitucional prometido pelo Presidente em resposta aos atentados de Paris. Um pequeno alívio para François Hollande, depois de semanas de um debate desgastante ainda longe do fim, na mesma altura em que o Eliseu ultima uma derradeira remodelação governamental, pré-anunciada pela saída de Laurent Fabius, “número dois” do executivo, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
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A Assembleia Nacional francesa aprovou nesta quarta-feira, por larga maioria, o projecto de revisão constitucional prometido pelo Presidente em resposta aos atentados de Paris. Um pequeno alívio para François Hollande, depois de semanas de um debate desgastante ainda longe do fim, na mesma altura em que o Eliseu ultima uma derradeira remodelação governamental, pré-anunciada pela saída de Laurent Fabius, “número dois” do executivo, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
É nestes dois tabuleiros – remodelação e mão dura contra o terrorismo – que Hollande joga por estes dias a sua estratégia para inverter as profecias de que muito dificilmente será reeleito em 2017. Depois da recuperação no período que se seguiu aos atentados de 13 de Novembro, Hollande voltou a cair a pique nas sondagens: a última, publicada pelo Libération na terça-feira, revelava que apenas 22% dos franceses consideram "possível” uma vitória do actual chefe de Estado nas presidenciais do próximo ano e só 16% consideravam tal desfecho “desejável”. Percentagens tão baixas, escreve a AFP, que o seu estatuto como “candidato natural” à reeleição está já a ser posto em causa dentro o Partido Socialista francês, onde ganha terreno a ideia de realizar eleições primárias para escolher um candidato único à esquerda.
No meio da tormenta, o chumbo da revisão constitucional na Assembleia, onde o Partido Socialista está em maioria, teria sido uma hecatombe para Hollande, que fez da iniciativa pedra essencial da resposta ao terrorismo. “Votar contra seria deixar o governo em dificuldade e colocar o Presidente em minoria”, disse o primeiro-ministro Manuel Valls, acérrimo defensor do diploma, pouco antes da votação final.
Um recado dirigido aos correligionários que se opunham à inscrição na Constituição de dois controversos artigos: o primeiro sobre a instauração do estado de emergência (actualmente em vigor, ao abrigo de um diploma que remonta a 1955) e um segundo, ainda mais controverso, que prevê a retirada da nacionalidade a condenados por terrorismo. A medida visa, na prática, detentores de um segundo passaporte, mesmo que a menção aos “binacionais” tenha sido retirada da última redacção da lei. Denunciando o que diz ser uma discriminação inaceitável dos cidadãos nascidos em França de pais estrangeiros, a ministra da Justiça, Christiane Taubira, demitiu-se do Governo, cristalizando a oposição da ala mais à esquerda do PS à mão dura de Hollande e Valls contra o terrorismo.
O resultado da votação acabou por ser mais expressivo do que a acesa discussão fazia adivinhar, com 317 votos a favor, 199 contra e 51 abstenções – acima da “maioria de três quintos” dos votos expressos, sublinhou Valls. É esse o limiar exigido para que o diploma possa ser aprovado na última vez em que for votado, numa sessão conjunta da Assembleia e do Senado, ainda sem data marcada. O debate segue agora para a câmara alta, onde o partido Os Republicanos, do ex-Presidente Nicolas Sarkozy, está em maioria e, apesar de igualmente dividido sobre a revisão constitucional, ameaça “reescrever” o diploma, o que ditaria o seu regresso à Assembleia, tornando ainda mais distante e imprevisível a sua aprovação final.
Fabius de saída
Mas ao ultrapassar este primeiro obstáculo, Hollande pode concentrar atenções na remodelação governamental que deve ser anunciada já nesta quinta-feira. O tiro de partida para aquela que deve ser a última mexida no executivo antes das presidenciais foi dado por Fabius, ao confirmar à entrada para a reunião do conselho de ministros que aquela seria a última reunião em que participaria.
Após meses de especulação, em que manteve sempre o silêncio, o chefe da diplomacia antecipou-se ao Eliseu e anunciou ter aceitado o convite de Hollande para presidir ao Conselho Constitucional, a mais alta instância do país. Para trás ficam 30 anos de intensa actividade política em que ocupou boa parte dos cargos que havia para ocupar – foi, aos 37 anos, o mais jovem primeiro-ministro de França, chamado para o cargo por François Mitterrand, em 1984.
O jornal Le Monde escreveu que “a substituição de Fabius no Quai d’Orsay constitui a pedra angular” da remodelação, mas o seu sentido permanece obscuro até ser conhecido o nome do seu sucessor: vários nomes circulam, entre eles os do ex-primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault e o de Ségolène Royal, antiga companheira de Hollande e ex-candidata presidencial, de quem o Presidente se tem vindo a reaproximar politicamente. A AFP antecipa que, com as presidenciais em mira, Hollande tentará alargar ao máximo a sua base de apoio, voltando a chamar ao executivo elementos “compatíveis” dos partidos mais à esquerda, ao mesmo tempo que reforça o núcleo reformista, centrado no primeiro-ministro.
Na despedida, após quase quatro anos no Quay d’Orsay, Fabius disse sair com “o sentimento de dever cumprido” e destacou como pontos altos o tratado selado na cimeira do Clima, a que presidiu em Dezembro, e o acordo nuclear com o Irão, de que foi um dos artífices. Já a libertar-se das amarras da diplomacia, foi duro com os intervenientes da guerra na Síria, acusando o Irão e a Rússia de serem “cúmplices” nas atrocidades cometidas pelo regime de Bashar al-Assad, mas lamentou também as “ambiguidades” e a falta de empenho dos Estados Unidos numa solução para o conflito.