Clinton e Sanders no jogo "espelho meu, quem é mais progressista do que eu?"
Hillary Clinton surgiu mais acutilante no debate frente a Bernie Sanders, sabendo de antemão que tem poucas hipóteses nas primárias da próxima terça-feira, no New Hampshire. A meta está para além disso.
À medida que se aproxima o dia em que os eleitores do New Hampshire vão escolher a cara que mais gostariam de ver na Casa Branca a partir do próximo ano, a favorita no Partido Democrata, Hillary Clinton, já começou a preparar os seus apoiantes para uma derrota frente ao senador Bernie Sanders naquele estado, na próxima terça-feira.
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À medida que se aproxima o dia em que os eleitores do New Hampshire vão escolher a cara que mais gostariam de ver na Casa Branca a partir do próximo ano, a favorita no Partido Democrata, Hillary Clinton, já começou a preparar os seus apoiantes para uma derrota frente ao senador Bernie Sanders naquele estado, na próxima terça-feira.
Depois de uma vitória tangencial no Iowa, no início da semana, Clinton preferiu olhar em frente durante o debate televisivo da noite de quinta-feira, dominado em grande parte por uma discussão oposta, mas igualmente intensa, em relação à que tem dominado a corrida no Partido Republicano – enquanto Donald Trump, Ted Cruz e companhia juram que não há ninguém no mundo mais conservador do que eles, Hillary Clinton e Bernie Sanders trocam argumentos sobre quem é o mais progressista dos dois.
Numa definição que revela muito mais sobre a luta pela nomeação no Partido Democrata do que pode parecer à primeira vista, a antiga secretária de Estado da Administração Obama disse que "um progressista é alguém que faz progressos". A mensagem implícita atingiu o senador Bernie Sanders em cheio – um progressista é alguém que realmente consegue fazer progressos, em vez de se ficar pelas promessas.
A discussão sobre quem está mais perto do progresso e mais longe de Wall Street tem sido o principal tema de campanha entre os dois candidatos do Partido Democrata, que ficaram sozinhos após a desistência do antigo governador do Maryland Martin O'Malley, logo após os caucus no Iowa (há um terceiro candidato oficialmente na corrida, um magnata do imobiliário da Califórnia chamado Roque De La Fuente, mas as sondagens não querem nada com ele).
Para além do New Hampshire
Bernie Sanders, um veterano senador do Vermont de 74 anos que até há bem pouco tempo não passava de uma figura quixotesca na corrida à Casa Branca, conseguiu captar a atenção do eleitorado mais jovem e mais à esquerda, que lhe respondeu com milhões e milhões de dólares em pequenas quantias; do outro lado, a antiga primeira-dama, senadora durante oito anos e secretária de Estado entre 2009 e 2013, continua no topo das sondagens a nível nacional, mas há muito que viu esfumar-se a sua aura de inevitável vencedora.
Tanto que a votação no estado do New Hampshire, na próxima terça-feira, já nem faz parte das contas de Clinton para a nomeação – num sinal de que a corrida foi dada como perdida, Clinton vai fazer uma pausa na campanha no domigo para visitar Flint, no Michigan, onde foi declarado o estado de emergência.
Na sondagem mais recente, feita para a NBC e para o The Wall Street Journal, Sanders e o seu apelo a uma "revolução política" contra os grandes grupos económicos e a "ganância de Wall Street" têm 20 pontos de vantagem no New Hampshire – 58% contra 38%. Num outro estudo de opinião, da CNN, que mede as intenções do eleitorado diariamente, Sanders tinha na quinta-feira uma vantagem ainda maior sobre Clinton – 61% contra 30%.
Nada disto é surpreendente, à luz da popularidade que Bernie Sanders alcançou nos últimos meses, nem significa que o senador do Vermont partiu definitivamente para uma corrida imparável até à nomeação final – muito mais perigoso para Clinton foi o empate técnico no Iowa, onde se esperava que a antiga secretária de Estado terminasse com uma diferença mais confortável.
Depois do New Hampshire, segue-se um conjunto de votações mais a Sul, onde Hillary Clinton tem, à partida, muito mais hipóteses de bater Bernie Sanders, por ser a preferida entre as minorias, que estão bem representadas nesses estados. É esse o plano da campanha de Clinton: respirar de alívio depois da magra vitória no Iowa, preparar os seus apoiantes para a grande derrota no New Hampshire e esperar por uma vaga de sucessos a partir daí.
E foi essa estratégia que Clinton levou até ao debate de quinta-feira, precisamente no New Hampshire, tentando falar mais à generalidade dos eleitores do Partido Democrata do que aos habitantes do estado que vai a votos terça-feira: é ela, a "progressista que faz progressos", quem vai conseguir derrotar qualquer adversário do Partido Republicano nas eleições gerais, marcadas para 8 de Novembro.
Revolução ou pragmatismo?
No primeiro debate em que Hillary Clinton assumiu uma postura agressiva perante Bernie Sanders – quando antes os seus alvos estavam todos no Partido Republicano –, a antiga secretária de Estado acusou, na prática, o senador de ser um populista: "Estou a lutar pelas pessoas que estão ansiosas por essas mudanças, e não estou a fazer promessas que não consigo cumprir."
Sanders, que passou o debate mais tranquilo do que Clinton – em parte porque é essa a sua natureza, e em parte porque estava praticamente em casa –, respondeu com a principal linha de ataque que tem usado desde o início: é ele, o impulsionador da "revolução política" que aí vem, quem vai conseguir derrotar qualquer adversário do Partido Republicano.
"Uma das coisas que temos de fazer é concretizar medidas, e não apenas falar. Tenho muito orgulho em ser o único candidato neste debate que não é apoiado por um Super PAC [grupos que angariam verbas para os candidatos, geralmente muito influentes], que não anda a receber enormes quantidades de dinheiro de Wall Street e de interesses particulares. Tenho mesmo muito orgulho. Nunca acreditei que seria possível angariar 3,5 milhões em contribuições individuais, numa média de 27 dólares por pessoa. É isto que significa a revolução política", disse Bernie Sanders.
Desde o primeiro momento que o senador do Vermont não perde uma oportunidade para encostar Hillary Clinton aos interesses de Wall Street, e a antiga secretária de Estado resolveu finalmente confrontá-lo com essas acusações – foi o momento em que este debate televisivo do Partido Democrata mais se aproximou de um dia normal no Partido Republicano.
"Ele está sempre a lançar este ataque, que na prática se resume a dizer que quem recebe doações ou pagamentos por discursos de um grupo de pressão só pode estar a ser comprado. E eu rejeito essa ideia em absoluto, senador. Acho realmente que esses ataques através de insinuações não são dignos de si. Já chega. Se tiver algo a dizer, diga-o directamente", disse Clinton.
A firmeza e até ferocidade com que a antiga secretária de Estado se dirigiu ao senador não foi muito bem recebida pela audiência, mas nesta altura Clinton já não estava a falar para os eleitores do New Hampshire, onde sabe que tem pouco a perder sendo mais acutilante.
Quando a moderadora do debate da MSNBC, Rachel Maddow, confrontou Hillary Clinton com as contribuições que a candidata recebeu da Goldman Sachs, por exemplo, Bernie Sanders aproveitou para acentuar a sua ideia de que não chega dizer que é preciso mudar – para mudar, não se pode dar a mão a quem travou essa mudança, sugeriu o senador.
"A Goldman Sachs foi uma das empresas cuja actividade ilegal ajudou a destruir a nossa economia e arruinou as vidas de milhões de americanos. Mas é assim que funciona uma economia viciada, um sistema de financiamento de campanhas corrompido e um sistema de justiça criminal desfeito. Estes tipos são tão poderosos que nem um único executivo de Wall Street foi acusado de nada depois de terem pago, no caso da Goldman Sachs, uma multa de cinco mil milhões de dólares."
Rússia e Coreia do Norte
Em relação à política externa, Hillary Clinton voltou a acusar Bernie Sanders de ser "ingénuo", ao defender uma aproximação mais rápida entre os EUA e o Irão, e escolheu a Rússia como o maior perigo dos tempos modernos, por "estar a tentar alterar as fronteiras do mundo pós-II Guerra", e por "tentar pôr os países europeus uns contra os outros".
Para Bernie Sanders a maior preocupação é a Coreia do Norte – seria o grupo extremista Estado Islâmico, se os moderadores tivessem permitido, mas as hipóteses eram apenas três: Coreia do Norte, Irão ou Rússia. "Preocupo-me muito com um país isolado. É isso que me deixa nervoso. A Rússia vive no mundo. A China vive no mundo. A Coreia do Norte é um país muito, muito estranho porque está muito isolado, e eu sinto que devemos lidar de forma eficaz com um país com armas nucleares."
O senador do Vermont aproveitou para recordar que Hillary Clinton também chamou ingénuo a Barack Obama durante a campanha de 2007/2008, quando o então senador do Illinois disse que admitia dialogar com os líderes de Cuba, da Coreia do Norte ou do Irão. Foram estas as palavras de Clinton, em Julho de 2007, citadas no jornal do Iowa Quad-City Times: "Acho que ele foi irresponsável e, francamente, ingénuo."
Uma outra questão que tem separado os dois candidatos é a maior ou menos proximidade e admiração pelo actual Presidente, Barack Obama.
Hillary Clinton acusou Bernie Sanders de ser tão radical que, para ele, nem Obama é progressista, por ter aceitado verbas de Wall Street; o senador do Vermont respondeu que vê o Presidente como um progressista. "Não concordo com ele em muitos assuntos, incluindo o acordo comercial, mas sim, acho que ele tem feito um excelente trabalho."
Apesar de tudo, o debate da noite de quinta-feira no New Hampshire terminou com elogios mútuos, num contraste gritante com a corrida no Partido Republicano.
"Se tiver a felicidade de ser a nomeada, a primeira pessoa com quem falarei sobre para onde vamos e como lá devemos chegar será o senador Sanders", disse Clinton, estendendo a mão ao seu adversário. "Mesmo nos nossos piores dias, penso que é seguro afirmar que nós somos 100 vezes melhores do que qualquer candidato do Partido Republicano à Presidência", retribuiu Sanders.