Dois israelitas acusados de homicídio pela morte de família palestiniana

Jovens são acusados de terem lançado bombas incendiárias para a casa dos Dawabshe, na Cisjordânia, em Julho do ano passado. Ataque matou um bebé de 18 meses e os seus pais.

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A casa da família Dawabshe foi completamente destruída pelas chamas Abed Omar Qusini/REUTERS

As autoridades judiciais de Israel acusaram formalmente de homicídio dois jovens radicais israelitas suspeitos de terem ateado fogo à casa de uma família de palestinianos nos territórios ocupados da Cisjordânia, em Julho passado. Um bebé de 18 meses, Ali Dawabshe, morreu no local do ataque, e os seus pais viriam a morrer no hospital nas semanas seguintes.

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As autoridades judiciais de Israel acusaram formalmente de homicídio dois jovens radicais israelitas suspeitos de terem ateado fogo à casa de uma família de palestinianos nos territórios ocupados da Cisjordânia, em Julho passado. Um bebé de 18 meses, Ali Dawabshe, morreu no local do ataque, e os seus pais viriam a morrer no hospital nas semanas seguintes.

O suspeito que é apontado como principal mentor e executante do ataque chama-se Amiram Ben-Uliel, tem 21 anos, e foi acusado de três homicídios. Outro israelita, menor de idade – e que por isso não foi identificado –, foi acusado de cumplicidade nos "crimes de ódio".

Ben-Uliel e o outro acusado fazem parte de um movimento de jovens judeus extremistas conhecido como Juventude da Colina (Hilltop Youth, na designação em inglês), que despreza o Estado de Israel e tem como objectivo criar uma nação submetida apenas às leis religiosas.

O movimento é conhecido como Juventude da Colina porque os seus membros têm por hábito criar colonatos ilegais em morros na Cisjordânia – por vezes apenas uma caravana, habitada por um casal. É uma resposta à política de desmantelamento de alguns colonatos que até as autoridades de Israel consideram ilegais, e que tem motivado estes jovens a assediarem palestinianos com actos de vandalismo, desde graffiti em mesquitas até à destruição de oliveiras, árvores que ocupam um lugar central na vida e sustento de muitas famílias palestinianas.

Estes jovens extremistas são também responsáveis por várias agressões físicas contra palestinianos e ataques com bombas incendiárias, mas nenhum crime tinha ainda atingido a gravidade do ataque contra a casa da família Dawabshe, em finais de Julho do ano passado.

Pelo menos dois desses jovens – Amiram Ben-Uliel e o menor que não foi identificado – foram este domingo acusados formalmente de terem lançado bombas incendiárias para o interior da casa dos Dawabshe, na aldeia de Duma, que está rodeada por colonatos israelitas no Norte da Cisjordânia.

A primeira vítima do ataque na noite de 31 de Julho foi um dos filhos do casal Saad e Riham Dawabsha, um bebé de 18 meses chamado Ali, que morreu queimado enquanto dormia. O pai, Saad, ficou gravemente ferido e morreu oito dias depois; a mãe, Riham, teve queimaduras em 90% do corpo e morreu um mês depois do marido. Um outro filho do casal, Ahmed, de quatro anos, escapou ao incêndio com vida mas continua hospitalizado.

"Terroristas" judeus

A notícia da morte do bebé provocou uma natural revolta entre os palestinianos, mas também marcou uma mudança na forma como as autoridades de Israel passaram a encarar e a designar os crimes cometidos por estes jovens extremistas. A partir desse dia, deixaram de usar apenas expressões mais brandas como "crimes de ódio" ou "crimes nacionalistas" e começaram a referir-se a eles como "terroristas", tal como fazem quando os atacantes são palestinianos. Uma das consequências é que os judeus suspeitos de terrorismo podem agora ficar detidos pelas autoridades militares israelitas, sem acusação e potencialmente por tempo indefinido desde que o tribunal seja informado de três em três meses sobre os progressos nas investigações.

Apesar das mudanças na lei, e da condenação do ataque contra a família Dawabsha pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a verdade é que os meses foram passando sem que nenhum suspeito tivesse sido detido, o que reforçou o sentimento de injustiça entre os palestinianos.

"Quando os alvos dos ataques são judeus, podemos ver a eficácia das forças de segurança de Israel. Eles resolvem o caso e capturam a pessoa responsável em poucos dias ou semanas. Mas quando o ataque é ao contrário, quando são judeus a matar árabes, não acontece nada", queixou-se ao site Al-Monitor um "responsável de topo" das autoridades palestinianas, citado sob a condição de anonimato.

Poucos dias depois do ataque contra a família Dawabsha, os serviços de segurança interna de Israel, o Shin Bet, detiveram o homem que é considerado o líder deste movimento de jovens extremistas violentos, Meir Ettinger, de 24 anos. Ettinger, que defende no seu blogue o "desmantelamento" do Estado de Israel em troca de uma vida guiada pelas leis religiosas, é visto como o instigador dos vários actos de vandalismo e crimes contra árabes, mas os suspeitos da autoria material do ataque em que morreu Ali Dawabsha e os seus pais só foram detidos em Dezembro.

Um deles, Amiram Ben-Uliel, apesar de ter apenas 21 anos, é já um velho conhecido do Shin Bet. Tal como Meir Ettinger, despreza as instituições do Estado de Israel, e exige ser julgado de acordo com a lei tradicional judaica, fora do âmbito dos tribunais israelitas.

Medidas extraordinárias

De acordo com os jornais de Israel, as detenções de Ben-Uliel e do seu alegado cúmplice aconteceram depois de interrogatórios a um outro menor israelita, identificado apenas como A., acusado de actos de vandalismo – durante algum tempo, segundo o jornal Haaretz, este menor recusou-se a falar nos interrogatórios porque dizia que falar com o Shin Bet era o mesmo que falar com representantes do "reino do mal".

Mas o Shin Bet está agora autorizado legalmente a recorrer àquilo a que chama "medidas extraordinárias" quando interroga judeus suspeitos de terrorismo, e A. acabou por dizer que ajudou a planear o ataque contra a família Dawabsha, mas que tinha adormecido e que não acompanhou Ben-Uliel e o outro menor na noite do crime. Foi então que os serviços de segurança interna de Israel detiveram Ben-Uliel e lhe aplicaram as mesmas "medidas extraordinárias" – ou "tortura", segundo o seu advogado, Itamar Ben-Gvir.

O suspeito terá sido "sujeito a assédio sexual, em violação do que é mais sagrado para ele, no seu modo de vida de respeito pela Tora e pelos seus mandamentos, e também privado de sono durante um longo período", disse o advogado.

Do outro lado, o irmão de Saad Dawabsha e tio do pequeno Ali, Naser, disse que não confia no sistema judicial israelita, e que não acredita que o Ministério Público esteja mesmo decidido a obter a condenação dos jovens que foram agora acusados formalmente: "Eles não teriam lançado uma investigação se não tivesse havido pressão internacional."