PS inclui mais de 70 medidas negociadas com BE, PCP e PEV no seu programa de Governo
Os partidos de esquerda chegaram a acordo sobre o programa do Governo. Rendimentos, combate à precariedade, políticas sociais e defesa dos serviços públicos são os objectivos.
As negociações decorreram sempre em separado. O PS fechou três acordos distintos, com o BE, o PCP e o PEV. Mas o resultado final é um conjunto de medidas que todos os partidos aceitam, e que fará parte do programa do Governo que o PS apresentará ao Parlamento, caso António Costa venha a ser indigitado primeiro-ministro. O caminho até lá ainda é incerto e não está garantido. Falta ao líder socialista uma garantia formal por parte do PCP de que aceita viabilizar a governação (condições para a aprovação de orçamentos, votação comum de moções de censura da direita, etc) ao longo da legislatura. Essa garantia já foi dada pelo BE, apurou o PÚBLICO.
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As negociações decorreram sempre em separado. O PS fechou três acordos distintos, com o BE, o PCP e o PEV. Mas o resultado final é um conjunto de medidas que todos os partidos aceitam, e que fará parte do programa do Governo que o PS apresentará ao Parlamento, caso António Costa venha a ser indigitado primeiro-ministro. O caminho até lá ainda é incerto e não está garantido. Falta ao líder socialista uma garantia formal por parte do PCP de que aceita viabilizar a governação (condições para a aprovação de orçamentos, votação comum de moções de censura da direita, etc) ao longo da legislatura. Essa garantia já foi dada pelo BE, apurou o PÚBLICO.
Veja a proposta de programa de Governo do PS e a lista de medidas que mereceram acordo dos quatro partidos
O que revelamos é a totalidade das medidas aceites pelos negociadores socialistas nas várias rondas negociais com os seus três parceiros. Aí, os partidos chegaram ao acordo porventura mais difícil: saber, no concreto, o que pretendem que seja a governação. Trata-se de um programa que procura "inverter a tendência de quebra de rendimentos dos trabalhadores, dos funcionários públicos e dos pensionistas".
Fim dos cortes salariais e das pensões
Todos os pensionistas têm garantido um aumento anual das suas reformas com a reposição, já em Janeiro de 2016, da norma que actualiza as pensões (e foi suspensa em 2010, no último Governo de Sócrates). O Abono de Família, o Complemento Solidário para Idosos e o Rendimento Social de Inserção terão os seus valores repostos no Orçamento do Estado, ao nível do que existia em 2011, antes da entrada em vigor do Memorando de Entendimento com a troika.
O acordo garante ainda que vão ser repostos os complementos de reforma nas empresas do sector empresarial do Estado.
Os funcionários públicos terão direito à reposição integral dos seus salários até ao final do próximo ano. Como o PÚBLICO avançou, os partidos de esquerda comprometem-se a devolver, trimestralmente, um quarto do valor cortado, por forma a que no final do próximo ano não subsistam cortes salariais. Esta proposta ‘devolverá’ 10,5 euros por mês a cada trimestre aos funcionários com salários ilíquidos de 1500 euros; 12,25 euros por trimestre aos funcionários com salários de 1750 euros; e 14 euros a cada trimestre aos funcionários com salários de 2000 euros.
O acordo prevê, ainda, que a partir de 2018 sejam "descongeladas" as carreiras na Função Pública.
Com a mesma lógica "gradual", o acordo apresenta como objectivo que o Salário Mínimo Nacional chegue aos 600 euros em 2019. Até lá, durante os dois primeiros anos haverá um aumento de 5%, o que significa que já em 2016 o valor de referência seja 530 euros. No ano seguinte será de 557 euros.
O ponto seguinte do acordo conjuga as propostas que PS, BE e PCP tinham apresentado sobre políticas de emprego e de combate à precariedade. Os partidos comprometem-se a criar um "grupo de trabalho" conjunto para elaborar, em conjunto com o ministro da tutela, um "Programa Nacional de Combate à Precariedade" que será submetido à Concertação Social.
5 de Outubro será feriado
Além de ter deixado cair a sua proposta de "regime conciliatório" para os despedimentos, o PS aceitou várias sugestões de BE e PCP. Exemplos: a revogação da norma do Código de Trabalho que permite a contratação a prazo de desempregados de longa duração e jovens à procura do primeiro emprego para postos de trabalho permanentes; limitação dos contratos a termo; reforço da fiscalização das normas de trabalho e combate aos falsos recibos verdes e falsos estágios. Outra norma a revogar no Código do Trabalho será a possibilidade um "banco de horas" individual – essa será uma matéria a decidir na contratação colectiva.
O regime da "requalificação/mobilidade especial" também pode ter os dias contados, se os partidos de esquerda se vierem a entender no Parlamento. Bem como os bloqueios à contratação colectiva. A este propósito, o acordo prevê também que serão publicadas as "portaria de extensão" que alargam o âmbito dos contratos colectivos, obrigando as empresas a respeitar as normas negociadas por sindicatos e associações patronais.
O mesmo se aplica, tambem, aos Acordos Colectivos da Administração Pública Central, Regional e Local.
O próximo 5 de Outubro voltará a ser feriado. O mesmo, para o dia da Restauração da Independência, 1 de Dezembro. Os feriados religiosos voltarão, depois de uma negociação com a Igreja Católica.
Regressa também o regime das 35 horas de trabalho semanal para a Função Pública, desde que isso não implique aumentos de custos salariais. A mesma salvaguarda existe para outro ponto deste acordo: desde que isso não aumente os gastos com salários, serão eliminadas as restrições à contratação de trabalhadores para as administrações públicas.
Mais escalões no IRS e benefícios para PME
Esta é a boa notícia para a tão falada "classe média": O número de escalões do IRS será aumentado, bem como a "progressividade" do imposto, depois de um estudo dos efeitos sobre a receita fiscal a realizar em 2016 por um grupo de trabalho que apresentará ao Governo relatórios semestrais e será composto, também por representantes dos vários partidos que apoiam o Governo.
Mas há mais: melhoria das deduções à colecta; redução em 50% da sobretaxa, em 2016, e eliminação em 2017. As famílias passam a ter direito a uma dedução no IRS por cada filho, que substitui o actual "quociente familiar". Será, também, estudada a possibilidade de tornar o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) "progressivo", isto é, variável conforme os rendimentos. No IMI há mais novidades: os aumentos não podem exceder os 75 euros por ano no caso de se tratar de uma habitação própria permanente de baixo valor. É a chamada "cláusula de salvaguarda" para as reavaliações feitas pelas Finanças.
No caso de famílias endividadas serão proibidas as execuções fiscais sobre as casas, se a dívida for inferior ao valor da habitação. Não serão permitidas penhoras sobre a casa de morada de qualquer família endividada.
Ainda no fisco: serão revistos os valores "desproporcionados" de coimas e juros por incumprimento e serão introduzidos tectos máximos nas multas e contraordenações no caso de pessoas singulares.
Serão agilizados os acordos de planos de pagamentos de dívidas fiscais e à Segurança Social.
As Pequenas e Médias Empresas terão um novo conjunto de estímulos fiscais no IRC. E as empresas de produção situadas nos "territórios fronteiriços" receberão benefícios fiscais. No resto, as empresas só registam duas outras mudanças tributárias: a participation exemption regressa aos 10% de participação social, como era antes da última reforma do IRC, e o prazo para amortização de prejuízos fiscais é reduzido de 12 para cinco anos.
O IVA da restauração, como todos os partidos de esquerda defendiam nos seus programas, desce para os 13%.
TSU, recibos verdes e complemento salarial
Aproveitar os fundos comunitários para fortalecer o investimento público é a primeira das medidas. Nesse contexto, os partidos de esquerda concordam que é preciso "privilegiar" as empresas exportadoras ou com actividade fora do país cuja produção incorpore mais recursos nacionais.
Apoiar a produção nacional é outro dos objectivos para substituir importações, nomeadamente no sector alimentar.
As PME têm direito a um ponto específico: O Estado compromete-se a eliminar barreiras de acesso a mercados públicos, apoio técnico, informação detalhada sobre investimentos a realizar. Haverá, ainda, um programa de contratação pelo Estado de serviços inovadores para melhorar os serviços e reduzir a despesa.
O programa acordado inclui, como já era público, o compromisso do PS de não baixar a Taxa Social Única (TSU) para as empresas. A única mexida prevista na TSU destina-se aos trabalhadores com salários inferior a 600 euros, que não receberiam qualquer acréscimo de rendimentos por via da devolução da sobretaxa do IRS. Essa descida, até 4%, não terá consequências no cálculo futuro das pensões e será compensada com uma transferência equivalente do Estado para a Segurança Social. Exemplo: um salário de 505 euros brutos, em 2016, ganharia 7,5 euros no seu salário líquido. Já um salário bruto de 600 euros ganharia 9 euros no seu salário líquido.
O Governo liderado por Costa compromete-se a diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, nomeadamente penalizando as empresas que recorram a uma "rotação excessiva de trabalhadores". Outra das possibilidades admitidas por este acordo é a de taxar o valor acrescentado líquido das empresas.
Em contrapartida serão revistas as regras das contribuições a pagar pelos trabalhadores a recibos verdes, de modo a que incidam sobre o rendimento real, tendo por referência os meses recentes (e não a taxa fixa actual, que é cobrada mesmo em meses sem rendimentos).
Do programa consta ainda o Complemento Salarial Anual, destinado a trabalhadores que não recebem, anualmente, rendimentos suficientes que os coloquem acima da linha da pobreza.
Taxas moderadoras e PPP's
O Serviço Nacional de saúde tem direito a um capítulo autónomo, onde se garante o seu "reforço", e os recursos necessários para assegurar a redução do tempo de espera dos utentes, a revisão das comparticipações do Estado em medicamentos para doentes crónicos em ambulatório, o aumento da quota de medicamentos genéricos (para 30%, em valor).
Em contrapartida, será feita uma "avaliação externa independente" à experiências das Parcerias-Público-Privado (PPP) na saúde.
A oferta de cursos no ensino superior na área da saúde é outra das áreas cobertas por este compromisso, que pretende também "estimular a investigação e a produção nacional" no sector dos medicamentos.
Outra promessa é a reduzir o valor pago pelos cidadãos em taxas moderadoras, que serão usadas, apenas, para "regular a procura inapropriada". As taxas serão eliminadas sempre que o utente se dirija a uma urgência hospitalar enviado por médico ou enfermeiro de família, Linha Saúde 24 ou por qualquer serviço de emergência pré-hospitalar. Será revisto o regulamento de transporte de doentes. E, como já foi anunciado, também, será revogada a última alteração feita por PSD e CDS à Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez.
Manuais escolares e contratos para investigadores
O primeiro ponto do acordo, na área da Educação, prevê criar um "sistema de aquisição e retorno" de manuais escolares com o objectivo de garantir a "progressiva gratuitidade" dos recursos educativos exigidos formalmente no ensino básico e secundário.
Outro dos objectivos é a redução no número de alunos por turma e a continuação do projecto "escola a tempo inteiro". Até ao final da legislatura, os partidos de esquerda comprometem-se a garantir a universalidade da oferta da educação pré-escolar.
Um dos pontos em que a coligação PSD-CDS se adiantou aos partidos de esquerda foi na criação do Ministério da Cultura. Mas o ponto continua no programa comum a PS, BE, PCP e PEV.
O acordo prevê também várias mudanças nas carreiras de investigação e de docência no ensino superior para evitar a "emigração forçada". A mais emblemática dessas medidas será, talvez, a da criação de contratos para investigadores que substituam progressivamente as bolsas de "pós-doutoramento" que passam, assim, a ser mais curtas e a servir como "estímulo" para carreiras na investigação.
Descida na factura da electricidade e fim das privatizações
Estes foram, provavelmente, a par da subida do salário mínimo, as medidas mais difíceis de negociar entre os partidos.
O BE manteve até ao fim a intenção de baixar a taxa do IVA para 6%. O PS fez finca-pé na receita fiscal que os actuais 23% garantem ao Orçamento. O encontro final deu-se numa medida a meio caminho. A generalização para 500 mil famílias da tarifa social. Isso pode representar uma poupança de 7,62 euros mensais para as famílias de rendimentos mais baixos. Esta "tarifa social" será automática para todos os beneficiários de prestações sociais que estão sujeitas a prova de recursos, mas não só. Com a declaração de rendimentos anual, mesmo os que não obtiveram qualquer benefício social, desde que apresentem baixos recursos (um tecto ainda por fixar no acordo) podem aceder ao Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia.
O outro ponto era a reversão dos processos de concessão e privatização. O acordo final tem um capítulo sobre o assunto e defende a anulação das concessões e privatizações em curso dos transportes colectivos de Lisboa e Porto. A Metro do Porto e a Serviço de Transportes Colectivos do Porto (STCP) já assinaram com a Transdev e a Alsa, respectivamente, os contratos de subconcessão por um período de dez anos. Se no caso do Metro do Porto estes contratos de subconcessão já não são novidade - a Transdev esteve na construção e gestão da operação durante os primeiros anos, através do consórcio Normetro - já no caso do STCP é uma novidade, que mereceu muita contestação dos autarcas.
Em Lisboa, os transportes colectivos (Carris e Metro) foram entregues à CET - Corporación Española de Transporte, do grupo Avanza – que em 2009 concorreu e ganhou a concessão para gerir os transportes urbanos da Covilhã.
Foi ainda acordado o cancelamento das fusões de empresas de água que tenham sido impostas aos municípios e a reversão do processo de privatização da gestora de resíduos EGF, com fundamento na respectiva ilegalidade e a garantia de que, no futuro, nenhuma outra concessão ou privatização terá lugar durante a vigência deste acordo. Recorde-se que a EGF foi vendida à Suma, empresa do grupo Mota-Engil, numa operação que não teve oposição da Autoridade da Concorrência (AdC). Inicialmente o regulador tinha avançado com uma investigação aprofundada porque o negócio suscitava dúvidas quanto a possíveis entraves à concorrência mas acabou por dar luz verde à venda.
Fora deste leque de medidas acordadas entre o PS e os três partidos à esquerda ficou a TAP, que o Bloco e a CDU querem ver totalmente na esfera do Estado. Na proposta de programa de Governo socialista mantém-se a ideia, que já constava no programa eleitoral, de que o PS "não permitirá que o Estado perca a titularidade sobre a maioria do capital social da TAP encontrando formas – designadamente através de uma efectiva acção junto das instituições europeias e do mercado de capitais – de capitalizar, modernizar e assegurar o desenvolvimento da empresa ao serviço dos portugueses e de uma estratégia de afirmação lusófona". com Maria João Lopes
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