Áustria ameaça fechar mais uma fronteira da dividida Europa
A UE divide-se perigosamente. Há cada vez mais muros e agressões verbais — neste cenário de países solidários e países duros, continua a não haver solução para os refugiados.
A crise dos refugiados está a mostrar como são débeis as relações entre parceiros da União Europeia. As acusações mútuas dos países sobem de tom, pondo cada vez mais em causa algumas das estruturas mais emblemáticas do espaço europeu e do princípio de integração, como o acordo Schengen sobre de livre circulação de pessoas entre 26 Estados europeus.
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A crise dos refugiados está a mostrar como são débeis as relações entre parceiros da União Europeia. As acusações mútuas dos países sobem de tom, pondo cada vez mais em causa algumas das estruturas mais emblemáticas do espaço europeu e do princípio de integração, como o acordo Schengen sobre de livre circulação de pessoas entre 26 Estados europeus.
Esta quarta-feira, a Áustria anunciou que poderá erguer “barreiras técnicas” na sua fronteira com a Eslovénia para impedir a entrada de mais gente — a Hungria já ergueu um muro, a Bulgária fez o mesmo e a Eslovénia pode vir a fazê-lo.
Oficialmente, todos disseram o mesmo — não se trata de fechar a circulação, de suspender Schengen, apenas de criar um sistema que permite registar os que chegam, criando condições para que sejam distribuidos pelos países.
Na prática, é o encerramento de facto de algumas fronteiras, ou uma ameaça de suspensão, colocando no país vizinho o ónus dessa decisão. “Este empurrar o problema para o vizinho é imprudente. Conduzirá, em última instância, ao fim de Schengen, e ao fim da liberdade da Europa”, lia-se na revista Economist num artigo de Setembro chamado Tiro a Schengen.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, acusou o Governo de Angela Merkel de ser responsável por uma grande parte da crise, ao ter feito o que considera ser um convite aos sírios para irem viver na Alemanha. Concluiu que o que se está a passar na Europa é “um problema alemão”, causado pela política de “portas abertas” de Merkel, e que cabe a Berlim resolvê-lo.
Críticas de Berlim
Berlim não reagiu às declarações de Orbán. Esta quarta-feira, o Governo de Berlim comentou sim a decisão austríaca de poder fechar as fronteiras. O ministro do Interior, Thomas de Maizière, condenou a política de Viena para com as dezenas de milhares de pessoas que utilizam a Rota dos Balcãs — a principal porta de entrada para os refugiados que cruzam o Mediterrâneo. “O comportamento da Áustria nos últimos dias foi inapropriado”, disse, acusando Viena de estar a enviar dezenas de milhares de pessoas para a Alemanha (em concreto para a Baviera) sem aviso prévio.
“O comportamento da Áustria nos últimos dias não é correcto. Sem aviso prévio, os refugiados são conduzidos, depois do cair da noite, para a fronteira com a Alemanha, sem que tenham sido tomadas as medidas preparatórias [para os receber]”, disse Maizière.
“É preciso que percebam que chegam diariamente à Áustria 11 mil refugiados, vindos da Eslovénia. A maior parte quer ir para a Alemanha, o que coloca grande pressão no Sul da Austria. É preciso repartir este imigrantes rapidamente”, como que respondeu David Furtner, um porta-voz da polícia da Áustria. No final do Verão, este país foi elogiado por ter permitido a passagem dos refugiados e imigrantes, um contraste em relação à política dura da vizinha Hungria, que desde o primeiro momento optou por impedir a entrada destes milhares de pessoas, empurrando-as para a Eslovénia e Croácia. No papel, o “jogo do empurra” ficou proibido na mini-cimeira que se realizou domingo em Bruxelas.
O aviso prévio sobre a passagem de refugiados de um país para outro foi outra das decisões de domingo — a reunião foi mais uma tentativa de Bruxelas para comprometer os países a responder a uma voz ao problema dos refugiados, criando regras fixas e tendo como último objectivo a sua redistribuição equitativa pelos países da UE, conforme ficou decidido numa cimeira anterior.
Porém, as decisões de domingo, como as tomadas anteriormente, não estão a ser cumpridas. Por falta de vontade dos Estados-membros, por um lado, e porque quando as decisões são tomadas a realidade já as superou. Um exemplo: em Setembro foi acordada a distribuição de 120 mil refugiados, mas até agora só um número ínfimo chegou ao seu destino. E, o que é mais grave, quando esta decisão sobre 120 mil pessoas foi tomada, já tinham chegado à Europa para cima de 500 mil; actualmente serão já mais de 700 mil, segundo os números oficiais do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Quem excluir?
Além de não se entender, a União Europeia caminha a passos muito lentos. Em mais uma prova dessa velocidade inadequada à realidade, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, defendeu esta quarta-feira que é preciso “mudar” outra peça da legislação europeia, o Regulamento de Dublin, que fixa as regras do asilo no espaço europeu (deve ser pedido no país a que se chega, no caso Grécia e Itália, mas um espaço sem fronteiras facilita que se avance até ao lugar onde se quer de facto viver e a maior parte desta vaga deseja a própera Alemanha). “Se já não funciona, não podemos continuar a aplicá-lo”, disse Juncker, propondo um debate sobre a política de asilo da UE para... “a Primavera de 2016, se não antes”.
Um dos problemas levantado por esta crise de refugiados é saber-se quem tem direito a permanecer na UE (os que estão em risco de sobrevivência devido a conflitos) e quem deve ser excluído (imigrantes económicos) — Merkel foi uma das primeiras a defender que tem que ser feita uma escolha (sublinhando que os sírios são a prioridade da UE). O ministro do Interior disse que estão a chegar à Alemanha demasiados pedidos de asilo de afegãos. “O Afeganistão é o segundo país de origem [entre os que pedem asilo à Alemanha] e isso é inaceitável”, disse Maizière. A Alemanha quer definir que zonas do Afeganistão devem ser consideradas de alto risco — valendo a possibilidade de pedido de asilo —, devendo os restantes cidadãos regressar ao seu país para ajudar na sua reconstrução, defendeu o ministro alemão.
À medida que o tempo passa, mais gente chega à UE, vinda da Síria (53%, número do ACNUR), Afeganistão (14%), Eritreia (7%), Iraque e outros locais. Nem a aproximação do Inverno faz abrandar o fluxo de refugiados e imigrantes, uma realidade que não é nova para a União Europeia. No sábado, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse que “a maior vaga de refugiados e imigrantes ainda está para vir”. O que resta saber é se a crise política que o problema — e as decisões e declarações que vão sendo feitas a pretexto deles — fez eclodir na Europa também se vai agravar e com que consequências para a União Europeia.