Aquilo que Cavaco tem de fazer
O Presidente da República tem entrado pouco nas contas da governabilidade, a meu ver erradamente. Duvido que o seu papel vá ser tão modesto quanto alguns crêem, porque se o primeiro passo que Cavaco Silva tem de dar é bastante óbvio, já o segundo pode ser muito nebuloso.
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O Presidente da República tem entrado pouco nas contas da governabilidade, a meu ver erradamente. Duvido que o seu papel vá ser tão modesto quanto alguns crêem, porque se o primeiro passo que Cavaco Silva tem de dar é bastante óbvio, já o segundo pode ser muito nebuloso.
O passo óbvio é este: começar por indigitar Pedro Passos Coelho primeiro-ministro, mesmo que António Costa jure ao país ter uma solução estável entre mãos. Parece cada vez mais certo que António Costa não tem essa solução, mas ainda que a tenha ou a possa vir a ter, a coligação ganhou o direito de cair no Parlamento, e ninguém compreenderia que fosse de outra forma.
A razão é dupla. Em primeiro lugar, existe a tradição de quem vence as legislativas formar governo, e essa tradição deve ser respeitada. Mesmo não sendo eu daqueles que andam a subsidiar o peditório do golpe de Estado, nem dos que acham que os comunistas ainda têm dentes para comer criancinhas ao pequeno-almoço, a verdade é que se trata de uma prática ininterrupta de 40 anos, agravada pelo facto de a possibilidade de uma coligação à esquerda nunca ter sido explicitamente assumida durante a campanha eleitoral.
Assim sendo, mesmo que a frente de esquerda acabe por surgir e venha a formar governo, ela terá de ser sempre assumida como uma solução de recurso, e nunca como primeira opção. Além disso – e este é o meu segundo ponto –, nada nos garante que parte do PS não possa viabilizar um governo de direita. Os mandatos dos deputados são individuais, e todos nós escutámos Francisco Assis e outros socialistas a denunciar a tragédia de um acordo à esquerda. A dissensão dentro do PS é uma hipótese remota, mas é uma hipótese, ainda assim. Deve ser testada no sítio certo – o Parlamento.
O passo nebuloso de Cavaco Silva, e onde a sua intervenção se pode revelar decisiva, é este: se o governo PSD-CDS cair no Parlamento e António Costa vier a ser convidado pelo Presidente para formar governo, deverá ele ser indigitado sem um acordo sólido nas mãos? E se a única coisa que o líder socialista conseguir sacar ao PCP e ao Bloco for uma promessa de viabilização de um governo socialista e nada mais? Deverá, mesmo assim, Cavaco arriscar a indigitação de um primeiro-ministro que se armou em Popeye mas que foi perdendo todas as latas de espinafres pelo caminho?
Neste ponto, a resposta é tudo menos óbvia. Entre ter um governo de gestão desprovido de qualquer poder ou um governo abaixo de cão desprovido de qualquer legitimidade, venha o diabo e escolha. Cavaco tem de usar o seu peso político para impedir que tal aconteça. Desde logo, explicando a António Costa, ao PCP e ao Bloco que não podem continuar a negociar como se os ponteiros do relógio estivessem parados.
Se até ao final da ronda pelos partidos não houver frente de esquerda à vista, Cavaco tem mais é que encostar Costa às cordas, aconselhá-lo a ter juízo e pedir o óbvio: a viabilização de um governo de direita, ainda que sejamos obrigados a regressar às urnas em Setembro de 2016. Nessa altura, tudo estará clarificado: teremos um Presidente na plenitude dos poderes, um líder do PS legitimado em congresso e a consciência de uma possível coligação à esquerda. É por isso que Cavaco detém um papel de arbitragem fundamental. Não se trata só de fazer cumprir as regras. Trata-se de não cair em simulações e de deixar bem claro quanto tempo falta para o fim do jogo.
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