Pronto para sexo oral, Mr. Helmut Berger

A musa de Visconti, que passeou a sua arrogante beleza no jet set dos anos 70, é hoje um homem de 70 anos rodeado de medicamentos para a depressão e fantasmas. Arrogância e solidão: o seu retrato (impossível) estreou-se em Veneza.

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Não houve felação, mas Helmut masturba-se sob o olhar reprovador do "aristocrático" Luchino Visconti di Modrone na fotografia – Helmut carrega “aristocrático” com o peso de uma velha história que nunca se resolveu.

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Não houve felação, mas Helmut masturba-se sob o olhar reprovador do "aristocrático" Luchino Visconti di Modrone na fotografia – Helmut carrega “aristocrático” com o peso de uma velha história que nunca se resolveu.

Filme-choque, decididamente. A “musa” de Luchino Visconti (Os Malditos, 1969, Luís da Baviera, 1973, Violência e Paixão, 1974), que passeou a sua arrogante beleza no jet set dos anos 70, é hoje um homem de 70 anos rodeado de medicamentos para a depressão e dos seus fantasmas num deprimente apartamento de Salzburgo  – uma parede inteira com as caras de Brigitte Bardot, noutra retratos assinados de Luchino e de Romy Schneider. O dinheiro desapareceu, com ele foram-se os amigos. Quem o diz é a empregada doméstica, de quem Horvath se abeira para aproveitar dela tudo aquilo que Berger nunca vai dizer: são pedaços erráticos, Helmut Berger, Actor é um filme-biográfico que só podia falhar, e é um tremendo retrato.

Helmut não dobra, ainda se crê Ludwig – e Horvath vai mostrando montanhas austríacas. O realizador não consegue entrevistá-lo, segue-o pelas suas ilusões de extravaganzza, mas é triste o Natal e o final de ano de 2013/2014 num hotel de Saint-Tropez, Helmut Berger de pijama, outra vez o pedido de blow job, depois a confissão de que tudo no cinema, Visconti incluído, só aconteceu porque havia sexo, por isso se calhar apaixonou-se agora pelo documentarista, mas como é possível, contrapõe Horvath, se o actor o trata tão mal, mas é assim, ironiza Berger, é “violência e paixão” – ou de como o título de Helmut Berger, Actor pode descrever o que se passa aqui, o último estertor de uma máscara.

Retrato de um “casal”, como Werner Herzog e Klaus Kinski, e das suas agressões físicas e verbais (a arrogância de classe de Berger sobre o "burguês" Horvath está sempre a aparecer), Helmut Berger, Actor foi exibido na secção Veneza Classics – que, como transpira do título, tem intuitos celebratórios, de serenar ou recuperar mitologia. Ora, não pode haver presença que resista à estabilização como a do intérprete de Os Malditos. Mas mesmo fora de qualquer contexto Helmut Berger, Actor é bastante inclassificável e um filme que franqueia vários limites.

O que teve ao lado, como colegas de secção, sim, era mais serenado e aberto à oficialização – por exemplo, Dietro gli occhiali bianchi, de Valerio Ruiz, um assistente nos últimos anos de Lina Wertmuller que utiliza bem a sua proximidade da cineasta italiana e da sua obra para ir mais para dentro dos famosos óculos de aros brancos com que Wertmuller construiu a sua persona pública. Ouvimos e vemos Martin Scorsese a chegar-se à frente para caucionar o trabalho da cineasta, salientando a “distorção” operada sobre os motivos da commedia dell’arte e a ponte feita entre o cinema italiano e o mercado americano nos anos 70 (Wertmuller foi a primeira mulher candidata ao Óscar como realizadora, isso em 1977, com Pasqualino Sete Belezas, o seu maior feito cinematográfico).

Mifune: the Last Samurai, de Steven Okazaki, é uma forma elegante de se aproximar da turbulência, o actor Toshiro Mifune. A colaboração com Akira Kurosawa está no centro, a velocidade e o álcool em fundo. Mas marca-se – sem exploração excessiva do tema, até porque o filme é assunto de família, o produtor executivo e consultor é um seu jovem neto – a “construção” da figura do samurai por Mifune, e toda a turbulência que fora dos filmes se mascarava com os firmes traços da masculinidade, como uma reacção do Japão derrotado e humilhado pela guerra.

A pièce de résistance, anunciava-se, seria De Palma, de Noah Baumbach e Jake Paltrow. Coincidiu com a entrega ao realizador de Carrie de um prémio à carreira. É a história habitual de dois miúdos que cresceram com o cinema e com os posters dos filmes de um cineasta e que um dia fazem um filme com ele e deixam-no tomar conta.

Conheceram Brian de Palma há dez anos, com quem vinham falando de cinema, nos últimos cinco decidiram filmar as conversas. Obrigaram o realizador a vestir sempre a mesma roupa de cada vez que se dava o encontro para não arruinar o efeito de continuidade. Mas a verdade é que o ambiente de conversa e o fluxo de espontaneidade que ela pode transportar e desinquietar estão ausentes – Noah e Jake não aparecem, não se ouvem. É De Palma que decide o caminho, os clips dos filmes surgem para o ilustrar. Por mais revelações pessoais que possa fazer (por exemplo, que o adultério – do pai, que ele apanhou em fragrante – é um motivo que passa para os seus filmes), por mais divertido que seja a evocar os seus fracassos ou os esforços de Cliff Robertson em estragar a performance de Genevieve Bujold em Fúria ou mesmo que se note a nostalgia dos tempos em que ele, Coppola, George Lucas ou Spielberg podiam fazer o que quisessem em Hollywood, a narrativa não tem contraponto. Como se a problemática que está no centro do cinema de Brian de Palma – e a razão por que ele é Brian de Palma – ficasse por enunciar, quanto mais sintetizar. Por exemplo, aquilo que fez o Village Voice, em 1982, quando publicou duas críticas opostas a Vestida para Matar, uma de Andrew Sarris (“derivative”) outra de J. Hoberman (“dazzling”).