Com a intensificação dos combates teme-se uma guerra de Verão na Ucrânia
Confrontos mais violentos desde Fevereiro fizeram mais de vinte mortos. Nenhum dos lados quer assumir quebra do cumprimento do cessar-fogo que pode dar origem à reanimação do conflito. Conselho de Segurança reúne sexta-feira.
A violência rebentou em duas zonas nos arredores do bastião separatista na madrugada da quarta-feira. Kiev disse que cinco soldados morreram durante os combates em Marinka, cidade controlada pelo Governo a cerca de 20 quilómetros de Donetsk, durante aquilo que descreveu como uma “ofensiva” inimiga. Dirigentes da autoproclamada República Popular de Donetsk contabilizaram 16 baixas nas suas fileiras e cinco mortes de civis.
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A violência rebentou em duas zonas nos arredores do bastião separatista na madrugada da quarta-feira. Kiev disse que cinco soldados morreram durante os combates em Marinka, cidade controlada pelo Governo a cerca de 20 quilómetros de Donetsk, durante aquilo que descreveu como uma “ofensiva” inimiga. Dirigentes da autoproclamada República Popular de Donetsk contabilizaram 16 baixas nas suas fileiras e cinco mortes de civis.
Como tem sido habitual no conflito ucraniano, que desde Abril do ano passado já fez mais de 6400 mortos, aos combates seguiram-se trocas de acusações entre os dois lados. Os líderes separatistas negaram ter lançado qualquer ofensiva e o Kremlin denunciou “provocações por parte do Exército ucraniano”. O porta-voz do Exército ucraniano falava numa ofensiva por parte dos rebeldes, mas negou notícias de que as forças separatistas tenham conseguido ganhar terreno.
Um relatório divulgado esta quinta-feira pela missão de observadores internacionais no terreno da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) – que tem estado encarregada de monitorizar o cumprimento dos Acordos de Minsk – mostra que as manobras de artilharia efectuadas pelos rebeldes dão a entender que o ataque tinha sido planeado, embora o organismo não atribua qualquer responsabilidade. Os observadores dizem ter observado “o movimento de uma grande quantidade de artilharia pesada nas áreas controladas pela República Popular de Donetsk (…) perto de Marinka, antes e durante os combates”. Os membros do grupo da OSCE revelaram ainda que os líderes separatistas não responderam aos contactos que tentaram estabelecer, mostrando-se tanto “indisponíveis ou não querendo falar”.
Os acordos assinados na capital bielorrussa prevêem o recuo de todo o armamento pesado da linha da frente de forma a criar uma zona desmilitarizada. Apesar de registar uma retirada quase completa por ambos os lados, a OSCE tem reportado avanços e recuos em alguns focos específicos, sobretudo perto de Donetsk e de Mariupol, na costa do Mar Negro.
O cessar-fogo assinado em Minsk nunca foi totalmente cumprido. Logo nos primeiros dias após a entrada em vigor, uma ofensiva separatista sobre Debaltseve – um estratégico nó ferroviário entre Donetsk e Lugansk – terminou com a morte de várias dezenas de soldados ucranianos. Os meses seguintes foram de alguma acalmia, embora a OSCE tenha registado violações das tréguas quase diárias atribuídas aos dois lados. Para além dos arredores de Donetsk, o principal foco de contestação é a cidade costeira de Shirokine, a 20 quilómetros de Mariupol.
"Ameaça colossal"
Os combates em Marinka vêm agora alimentar os receios de que a intensidade do conflito pode voltar a subir. Esta quinta-feira, o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, não se coibiu em falar na “ameaça colossal” de que uma nova etapa de violência esteja prestes a ser iniciada e revelou existirem nove mil soldados russos no território. “O Exército ucraniano deve estar preparado para uma nova ofensiva da parte do inimigo, assim como para uma invasão em larga escala ao longo de toda a fronteira com a Federação Russa”, afirmou Poroshenko, num discurso no Parlamento de Kiev.
Apesar do dramatismo das palavras de Poroshenko, ninguém tem dúvidas em sublinhar que o confronto em Marinka pode abrir caminho a uma “escalada” do conflito. A União Europeia descreveu os combates como a “mais grave violação do cessar-fogo” acordado em Minsk, a 12 de Fevereiro. Os líderes dos 28 vão reunir no final do mês e uma decisão quanto às sanções económicas à Rússia deverá estar em cima da mesa. O Wall Street Journal citava fontes diplomáticas europeias que davam como certa a continuação das actuais medidas. Bruxelas tem dito estar aberta a reavaliar a aplicação das sanções a Moscovo, consoante os progressos na implementação dos Acordos de Minsk.
A Rússia nega qualquer apoio às milícias que combatem as forças governamentais ucranianas e acusa o Exército de não permitir a aplicação do cessar-fogo. “Os acordos de Fevereiro em Minsk estão constantemente sob ameaça por causa das acções das autoridades de Kiev, que tentam abandonar as suas obrigações de promover o diálogo directo com o Donbass [o nome pelo qual é conhecida a região controlada pelos separatistas]”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov.
O regresso a um cenário de combate em toda a linha, semelhante ao do último Verão, levou o Conselho de Segurança da ONU a marcar uma reunião de emergência para sexta-feira, a pedido da Lituânia.
Há vários cenários quanto à possível evolução dos acontecimentos no Leste da Ucrânia, mas apenas os próximos dias poderão revelar se os receios de uma intensificação dos confrontos são justificados. A NATO acreditava ser possível um ataque em larga escala durante o Verão por parte das forças separatistas, nomeadamente para tomar Mariupol. Porém, uma ofensiva desta magnitude contra um centro urbano bastante populoso estaria “além das capacidades militares dos separatistas”, escrevia recentemente o professor da Universidade de Berkeley, Mark Galeotti. Um avanço deste género, “iria requerer um envolvimento russo declarado” e um confronto aberto com a NATO, algo que está fora da agenda de Moscovo.
O mais certo, prevê Galeotti, é que se verifique o cenário de um “conflito paralisado e instável, mas sem grandes combates ou perdas territoriais para nenhum dos lados – essencialmente mais daquilo que tivemos no Leste da Ucrânia desde a tomada de Debaltseve”.