O jornalista que queria mostrar o quotidiano do Irão, mas acabou preso por espionagem

Jason Rezaian, jornalista do Washington Post foi detido em Julho e passou vários meses preso sem saber porquê. A justiça iraniana acusa-o de espionagem e vai julgá-lo à porta fechada.

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Rezaian em Novembro de 2013, na redacção do Washington Post The Washington Post

O julgamento do jornalista do Washington Post, Jason Rezaian, no Irão começou esta terça-feira e a primeira sessão decorreu à porta fechada. O caso tem contornos pouco claros, as acusações são consideradas vagas e o secretismo do julgamento contribui para os receios da família do jornalista irano-americano de que haja uma motivação política.

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O julgamento do jornalista do Washington Post, Jason Rezaian, no Irão começou esta terça-feira e a primeira sessão decorreu à porta fechada. O caso tem contornos pouco claros, as acusações são consideradas vagas e o secretismo do julgamento contribui para os receios da família do jornalista irano-americano de que haja uma motivação política.

Foi em Julho do ano passado que Rezaian foi detido pelas autoridades iranianas na sua em casa em Teerão. A mulher e colega Yeganeg Salehi também foi presa, assim como outros dois cidadãos com dupla nacionalidade que não foram identificados. Entretanto, apenas Rezaian se manteve preso em condições que preocupam os seus familiares – nos últimos meses perdeu cerca de 18 quilos, segundo o irmão Ali. A história da detenção de Rezaian tem sido marcada pela falta de clareza.

Foram precisos vários meses até serem conhecidas as razões oficiais para a detenção do jornalista e sobre que base legal é que assentava o caso contra si. Em Dezembro, Rezaian foi formalmente acusado, mas apenas em Abril é que as acusações foram conhecidas. A justiça iraniana acusava o jornalista do Post de espionagem, “colaboração com regimes hostis” e “propaganda contra o regime”. Uma das acções atribuídas a Rezaian e à sua mulher, de acordo com a imprensa próxima do regime, é o papel na distribuição de um vídeo da música Happy, que mostra jovens iranianos a dançar num telhado – e que acabaram por ser detidos. Se for considerado culpado, o jornalista de 39 anos pode ter uma pena entre dez e 20 anos de prisão.

Foram precisos nove meses até que a advogada de defesa do jornalista tivesse conhecimento das acusações e fosse autorizada a discutir o caso com o seu cliente. Os pormenores são, porém, vagos e bastante gerais – Rezaian é acusado de juntar informação, especialmente sobre “política interna e externa”, e de a ter fornecido a “indivíduos com intenções hostis”, entre os quais o Presidente norte-americano, Barack Obama, a quem terá escrito uma carta, segundo a acusação, contou na altura a advogada Leila Ahsan.

“O Jason é um jornalista, e é da natureza da sua profissão ter acesso a informação e publicá-la”, disse a advogada. “O meu cliente, contudo, nunca teve acesso directo ou indirecto a informação secreta para a partilhar com quer que seja”, acrescentou.

O director executivo do Washington Post, Martin Baron, considerou que as acusações apresentadas contra o jornalista “não podiam ser mais ridículas”. “O Jason é um jornalista sério, cuja honestidade e profissionalismo granjearam-lhe elogios públicos mesmo do Presidente iraniano e do ministro dos Negócios Estrangeiros. Quaisquer que sejam os motivos, a justiça iraniana está a apresentar acusações que são transparentemente infundadas.”

O próprio presidente Obama, num apelo durante as comemorações do Ano Novo iraniano no final de Março, tentou demover as autoridades iranianas de prosseguirem com um caso baseado em “acusações vagas”.

Luta contra o preconceito
Jason Rezaian nasceu na Califórnia, EUA, numa família iraniana e obteve a dupla nacionalidade – um estatuto que não é reconhecido no Irão, que apenas identifica a cidadania iraniana. Desde 2008 que trabalha no Irão como jornalista freelance e em 2012 foi contratado pelo Washington Post para liderar a delegação do jornal norte-americano no país. “Os cidadãos com dupla nacionalidade – irano-americanos como o Jason – são extremamente vulneráveis no Irão”, notava a jornalista e amiga de Razaian, Laura Secor, num texto na New Yorker. “Estão sujeitos à lei iraniana, que é rígida o suficiente com os jornalistas locais e, pior ainda, os seus laços com os Estados Unidos torna-os alvos de suspeita num Estado preocupado com o espectro da conspiração estrangeira. E ir trabalhar para o Post ainda fez recair mais as atenções sobre ele."

Mas quem conhece o jornalista traça o retrato de alguém longe de constituir o perfil de um espião ao serviço de Washington. Zahir Janmohamed, que conheceu Razaian quando trabalhava na Amnistia Internacional, recordava recentemente um episódio que demonstra o tipo de trabalho que o jornalista queria desenvolver no Irão. Dada a experiência que tinha adquirido enquanto colaborava com a organização de defesa dos direitos humanos, Janmohamed sugeriu a Razaian possíveis histórias relacionadas com o tema no Irão. “Ele tinha outras ideias. ‘Conheço essas histórias e elas são importantes, mas quero mostrar também o quotidiano da vida iraniana’, disse ele. (…) Percebi o objectivo dele: Jason viu a sua nova posição como uma hipótese de acrescentar textura e complexidade à forma como os americanos interpretam o Irão”, contou o activista, também ele de origem iraniana.

“Se a República Islâmica não consegue tolerar Jason Rezaian, pode-se questionar se poderá tolerar de todo os media estrangeiros”, observa, por seu turno, Laura Secor. Uma petição para a libertação do jornalista juntou mais de 400 mil assinaturas, entre as quais a de Noam Chomsky e da veterana da CNN Christiane Amanpour.

A subida ao poder de Hasan Rohani em 2013, visto como um moderado e cujos esforços diplomáticos nas relações com o Ocidente têm sido elogiados, permitiu que muitos antecipassem a concessão de mais liberdades individuais e de imprensa. Porém, na verdade, o número de jornalistas presos duplicou desde então e o Irão encontra-se no 173.º lugar (em 180 países) no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras.

O caso de Rezaian é associado ao jogo da política interna do Irão, sempre refém da permanente tensão entre moderados e conservadores. A verdadeira causa para as acusações contra o jornalista poderá estar relacionada com a amizade com um sobrinho de Rohani que trabalha no gabinete presidencial – uma relação que é negada pela família de Rezaian. Ao montar um caso contra o jornalista, aquilo que o poder judicial está realmente a visar é o sobrinho de Rohani, Esmail Samavi, que acusam de ter facilitado o acesso de Rezaian a informações confidenciais.

O Líder Supremo situa-se no topo da hierarquia do poder no Irão, mas enquanto o Presidente pode servir de contrapeso na relação entre o ramo executivo e o Ayatollah, no que respeita aos tribunais, o poder do chefe religioso é amplo. As nomeações dos juízes são feitas directamente pelo Ayatollah e o poder judicial pode até ser utilizado como um freio sobre governos que fujam à ortodoxia da linha conservadora.

A primeira audiência do julgamento num Tribunal Revolucionário à porta fechada apenas veio confirmar o secretismo em torno do caso contra Rezaian. “Julgo que a única razão que se possa imaginar para que o julgamento seja fechado seja para impedir as pessoas de verem a falta de provas”, disse à Reuters o irmão do jornalista.

Apesar de tudo isso, diz Ali Rezaian, mantém-se a esperança de que o jornalista seja declarado inocente “se o tribunal iraniano conduzir um julgamento imparcial”.