No escuro
Os filmes de Kelly Reichardt vêm tacteando uma América que hoje, com o desaparecimento das grandes narrativas, já só existe no escuro. É aí que eles manobram, três activistas ambientais.
Os filmes de Kelly Reichardt vêm tacteando, como se procurassem no escuro, uma América que hoje, com o desaparecimento das grandes narrativas, já só pode existir num mundo paralelo — não é só uma “imagem”, Kelly tem ido mesmo à procura, percorrendo o mapa do Nororeste americano, de uma geografia humana, como quem vai atrás dos sons que se ouvem ao longe do silvo dos comboios. Era o que acontecia mesmo em Wendy e Lucy, a rapariga e a sua cadela, e em Old Boy insinuava-se o som de um programa radiofónico — era a forma de Reichardt falar da forma como os anos Bush arrasaram com a paisagem liberal americana, condenado-a à escuridão. Mas independentemente de a narrativa dos filmes materializar esse tipo de chamamento, é assim que eles nos falam, do escuro, apelando a uma disponibilidade para a escuta, para ouvirmos algo que já não conseguimos ver: (o que resta de...) um património, social, político, cinematográfico.Se são filmes de um género que já não existe, o “cinema liberal” ou o “cinema político” — e também podia ser o
western —, são filmes que, tal como as personagens têm dificuldade em protagonizar o seu destino, em ascender a mestres da sua narrativa, não podem deixar a zona de sombra sob a pena de se desintegrarem.Night Moves
: e assim eles manobram, na noite, três activistas ambientais (Jesse Eisenberg, Dakota Fanning e Peter Sarsgaard) que se juntam para, concretizando o seu idealismo e o seu dogmatismo, fazerem explodir uma central hidroeléctrica. Jesse, Dakota e Peter interpretam personagens que são reconhecíveis do universo de Reichardt e do escritor com quem a realizadora trabalha, Jonathan Raymond. Na sua dificuldade de despertarem empatia no espectador, na sua obsessão, no seu mutismo. Nessa actividade de radicais razoavelmente amadores, acabarão por ser ultrapassados pelas circunstâncias (como os “terroristas” da Terceira Geração de Fassbinder) e causar “danos colaterais” — a morte de um campista que pernoitava na zona da explosão. Mas, por essa altura, Night Moves é já só noite (espantoso trabalho de fotografia de Christopher Blauvelt) e ambiguidade moral, como num western de Anthony Mann: personagens cercadas como numa prisão, grades no idealismo.
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Os filmes de Kelly Reichardt vêm tacteando, como se procurassem no escuro, uma América que hoje, com o desaparecimento das grandes narrativas, já só pode existir num mundo paralelo — não é só uma “imagem”, Kelly tem ido mesmo à procura, percorrendo o mapa do Nororeste americano, de uma geografia humana, como quem vai atrás dos sons que se ouvem ao longe do silvo dos comboios. Era o que acontecia mesmo em Wendy e Lucy, a rapariga e a sua cadela, e em Old Boy insinuava-se o som de um programa radiofónico — era a forma de Reichardt falar da forma como os anos Bush arrasaram com a paisagem liberal americana, condenado-a à escuridão. Mas independentemente de a narrativa dos filmes materializar esse tipo de chamamento, é assim que eles nos falam, do escuro, apelando a uma disponibilidade para a escuta, para ouvirmos algo que já não conseguimos ver: (o que resta de...) um património, social, político, cinematográfico.Se são filmes de um género que já não existe, o “cinema liberal” ou o “cinema político” — e também podia ser o
western —, são filmes que, tal como as personagens têm dificuldade em protagonizar o seu destino, em ascender a mestres da sua narrativa, não podem deixar a zona de sombra sob a pena de se desintegrarem.Night Moves
: e assim eles manobram, na noite, três activistas ambientais (Jesse Eisenberg, Dakota Fanning e Peter Sarsgaard) que se juntam para, concretizando o seu idealismo e o seu dogmatismo, fazerem explodir uma central hidroeléctrica. Jesse, Dakota e Peter interpretam personagens que são reconhecíveis do universo de Reichardt e do escritor com quem a realizadora trabalha, Jonathan Raymond. Na sua dificuldade de despertarem empatia no espectador, na sua obsessão, no seu mutismo. Nessa actividade de radicais razoavelmente amadores, acabarão por ser ultrapassados pelas circunstâncias (como os “terroristas” da Terceira Geração de Fassbinder) e causar “danos colaterais” — a morte de um campista que pernoitava na zona da explosão. Mas, por essa altura, Night Moves é já só noite (espantoso trabalho de fotografia de Christopher Blauvelt) e ambiguidade moral, como num western de Anthony Mann: personagens cercadas como numa prisão, grades no idealismo.