João Pedro Fonseca: telas a mexer com gente a sair do breu
Em "Empty Touches", a tinta branca descobre pessoas no escuro. Adivinham-se mutações, respirações, abraços e embaraços, até ao derradeiro quadro. São telas que ganham vida, pintadas e filmadas pelo jovem artista João Pedro Fonseca
Um cenário à filme, mas tudo real. Estava João Pedro Fonseca a estudar o pintor e performer austríaco Günter Brus quando, sobre a mão pintalgada de negro que dançava sobre a tela preta, deixou cair tinta branca. “Por momentos”, diz, parece que a voltou a ver. “A minha mão estava escondida e, com a tinta branca, dei-lhe relevo.” A série "Empty Touches" nascia assim, “por acaso”.
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Um cenário à filme, mas tudo real. Estava João Pedro Fonseca a estudar o pintor e performer austríaco Günter Brus quando, sobre a mão pintalgada de negro que dançava sobre a tela preta, deixou cair tinta branca. “Por momentos”, diz, parece que a voltou a ver. “A minha mão estava escondida e, com a tinta branca, dei-lhe relevo.” A série "Empty Touches" nascia assim, “por acaso”.
Nos três vídeos que a compõem — "Silent Fissures", "The Passage" e "Drilled Bottles" — sai gente do breu. A tinta branca, atirada por João Pedro, guia os olhos do espectador. Adivinham-se mutações, respirações, abraços e embaraços, até ao descerrar final, o derradeiro quadro. A música, presente em dois deles, tudo agudiza. Como “uma tela em movimento”, explica ao P3 o jovem de 24 anos, natural de Lamego, a frequentar o curso de Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
“Como a pintura é uma forma estática, quis procurar movimento. Como se quisesse dar a entender como uma pintura é feita.” Transita para a performance, inspirado, lá está, no accionismo vienense. Para “fazer emergir do negro”, como um certo despertar depois de uma “sonolência”. “Com esta forma de movimento consegue-se dar também o efeito surpresa que não é tão forte num quadro estático”, diz João Pedro, que, atenção, também gosta de pintura, digamos, imóvel. Ao contrário das telas, os vídeos obrigam a que se espere para ver. Exigem mais tempo para serem compreendidos no seu todo, para se conseguir discernir figuras, o que para o artista também é um “desafio”. “Porque se uma pessoa não ficar intrigada com o que está a acontecer no vídeo, se calhar também não quer entender. Tem de entrar num enigma.”
Ao todo, fez cinco vídeos para o projecto. No primeiro, totalmente experimental, foi o protagonista. Aplicou tinta preta sobre si próprio enquanto ouvia música com alguma distorção. E apercebeu-se de uma coisa: “Quanto mais forte era a música, com mais força eu atirava a tinta.” Depois, passou aos trabalhos que compõem "Empty Touches" — “'Toques Vazios' porque o branco, a ausência de cor, é o que consegue tocar e dar forma”. Um vídeo correu mal, fez-se de novo, de um só “take”, como os restantes.
A beleza da tinta a ganhar vida
Tela negra, pessoas de negro, cobertas de tinta específica para o corpo. Antes da filmagem, e da tinta branca, é-lhes pedido que ensaiem os movimentos, enquanto João Pedro imagina a tela. Sim, porque aquele branco não é arbitrário, é pensado para “destacar certos elementos visuais”, e os pontos são escolhidos dessa forma. Até que assiste à "beleza da tinta a ganhar vida própria”, à “beleza da tinta a escorrer”. “Não tenho controlo sobre o respingar, já não consiga mandar nela. Por isso, no final, já é mais espontâneo.”
"Silent Fissures", sem som, reflecte sobre a maneira como a pessoa encara outras. "The Passage", com música de RA (Ricardo Remédio, com quem João Pedro já tinha colaborado, não só numa pintura ao vivo, mas também a nível de "artwork" concebido para a Zigur Artists, editora com que trabalha), ilustra uma travessia “até ao cume”, como a floresta negra do “Inferno” de Dante. Em "Drilled Bottles", as pessoas tocam-se, mas “não passam de garrafas”, “não existe sentimento”.
Para já, o YouTube serve de galeria para o projecto "Empty Touches". Entretanto, João Pedro já conquistou o topo do Facebook da rede Contemporary Performers por convite do curador. No horizonte estão exposições em Lamego e Lisboa. Seguem-se mais trabalhos na senda da performance, “algo genuíno que está a acontecer no mundo”, provavelmente ao vivo. E a cores, quem sabe.