Bordalo II: não é reciclagem, é uma crítica ao consumismo
A exposição “World Gone Crazy”, que é feita de lixo, está patente no espaço Arte Periférica do CCB, em Lisboa. "No fim, o que sobra é aquele monte de merda”, diz Artur Silva
Ainda nem há um mês, Artur Silva, conhecido pelo nome artístico de Bordalo II, aproveitou a greve dos trabalhadores das limpezas da Câmara de Lisboa, durante a quadra festiva, para decorar um dos muitos caixotes do lixo apinhados como se de um presente se tratasse. Chamou-lhe "Here's Our Gift for Mother Nature". “Não faz sentido convencionar-se que há um dia em que toda a gente vai gastar dinheiro, que há um dia em que os centros comerciais vão estar a abarrotar. No fim, o que sobra é aquele monte de merda”.
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Ainda nem há um mês, Artur Silva, conhecido pelo nome artístico de Bordalo II, aproveitou a greve dos trabalhadores das limpezas da Câmara de Lisboa, durante a quadra festiva, para decorar um dos muitos caixotes do lixo apinhados como se de um presente se tratasse. Chamou-lhe "Here's Our Gift for Mother Nature". “Não faz sentido convencionar-se que há um dia em que toda a gente vai gastar dinheiro, que há um dia em que os centros comerciais vão estar a abarrotar. No fim, o que sobra é aquele monte de merda”.
Na perspectiva do jovem artista de 26 anos, a greve surgiu num momento pertinente porque permitiu ver a quantidade “doentia” de lixo que se acumula “em meia dúzia de dias” e que normalmente passa despercebida pela “limpeza excessiva que nos tapa os olhos e não nos deixa ver o que realmente acontece”.
“World Gone Crazy”, exposição inaugurada no CCB (sala Arte Periférica) no passado dia 18 de Janeiro, e que continuará patente até 18 de Fevereiro, conta com dez trabalhos do artista, feitos com materiais retirados do lixo, que espelham também estas temáticas.
"Eu não sou louco"
Ao olharmos de perto as estruturas construídas em formato "assemblage", as suas personagens interpelam-nos. Passamos por um psicopata com um violoncelo, um condutor desmedido na Ponte 25 de Abril, a representação extravagante de uma mulher ou ainda um louco retratado no parlamento. Todos vêm até nós e saem literalmente da tela, qual efeito 3D. E assustam-nos pelo seu aspecto demente e alienado. “Eu não sou louco, mas acho que o mundo em que nós vivemos é completamente louco.”
A obsessão pelo consumo e o desperdício e materialismo exacerbado, principalmente de dispositivos tecnológicos, são aspectos que preocupam o artista. “As pessoas dedicam a vida delas a juntar dinheiro para comprar lixo e não deixam praticamente obra nenhuma quando vão embora.”
Peças em vários tipos de plástico e lixo electrónico e industrial são os materiais que mais gosta de moldar na construção das telas. “Não ando propriamente enfiado dentro de caixotes de lixo à procura de coisas, mas se vir algo que me interesse não tenho vergonha nenhuma de a ir lá buscar”. É na própria casa, num pequeno estúdio, que armazena e trabalha este lixo, pronto a ser usado e desconstruído consoante as ideias.
O avô Bordalo, também pintor
A assinatura que faz no canto de cada tela revela pelo menos dois traços marcantes da sua actividade enquanto artista: em primeiro lugar na escolha do próprio nome denota a influência do avô, Real Bordalo, também ele pintor. Em segundo lugar, a influência do graffiti urbano na sua forma de expressão.
Antes de iniciar o curso de Pintura na Faculdade de Belas-Artes em Lisboa, Bordalo II deu início à sua actividade artística nas ruas, uma experiência que lhe permitiu “ser uma pessoa mais aberta a realidades que acontecem todos os dias e que o comum mortal não conhece” e não ficar “obcecado pelo mundinho da fama que não existe senão para um grupo restrito”.
Destaca desta experiência a obsessão das autoridades pela vigilância que controla quem faz graffiti: “Há uma quantidade enorme de dinheiro investido em mecanismos de vigilância para evitar que os miúdos façam graffiti no metro. Se for preciso, essa mesma estação não tem um elevador para os deficientes”. Tudo para que a ordem na cidade se mantenha e para controlar quem decide “pular a cerca”.
Porque a cidade é o culminar do consumismo, e não pode ser outra coisa.