William Friedkin em Veneza: Hollywood? Que impluda

Sorcerer é um dos seus filmes malditos. Exibido em cópia restaurada para assinalar a atribuição de um Leão de Ouro especial para a sua carreira, é um filme que rima com a ameaça de destruição dos tempos de hoje, diz ele.

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Hollywood? Que impluda, ou que expluda. "Tudo implode, até a Roma Antiga." William Friedkin não chora lágrimas de crocodilo. Diz que os filmes que (ainda) faz, como Bug (2006) ou Killer Joe (2011), não poderiam ser feitos no sistema de estúdios. Mesmo um filme como O Exorcista (1973) "estava bem à frente do seu tempo".

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Hollywood? Que impluda, ou que expluda. "Tudo implode, até a Roma Antiga." William Friedkin não chora lágrimas de crocodilo. Diz que os filmes que (ainda) faz, como Bug (2006) ou Killer Joe (2011), não poderiam ser feitos no sistema de estúdios. Mesmo um filme como O Exorcista (1973) "estava bem à frente do seu tempo".

"Os estúdios hoje são sobretudo organizações de distribuição de filmes. E é isso que está a mudar. Os jovens podem comprar a sua câmara digital e fazer o filme, irem para casa, montar no computador e colocá-lo no YouTube." Na sua geração, a dos movie brats, nos anos 70, "precisávamos de uma hierarquia de comando, de uma equipa técnica, de actores. Se esta nova forma de distribuição se tornar um sucesso, aí sim, os estúdios estarão em apuros". E a seguir: "Hollywood hoje é um casino. Não digo que seja uma casa de putas. É um casino onde se aposta todo o dinheiro numa só carta. Podiam-se fazer mil filmes com o dinheiro que se gasta num só."

Rima esta truculência, servida em conferência de imprensa com uma certa maneira de vendedor de banha da cobra, com toda a obra deste cineasta e hoje também encenador de ópera. Na quinta-feira Friedkin recebeu o Leão de Ouro pela carreira. Uma obra ainda não suficientemente valorizada, na opinião do director da Mostra de Veneza, Alberto Barbera. Nunca foi dos mais consensuais da "nova Hollywood", é um facto, porque no seu trajecto se viu grosseria e pulsão sleazy. Por isso a decisão de Veneza de lhe atribuir o prémio, o que acaba por rimar com a onda de respeitabilidade que nos últimos anos tem ido de encontro à sua obra devido a dois pequenos, enxutos e agressivos filmes, Bug e Killer Joe, baseados em peças de teatro de Tracy Letts (com quem Friedkin espera trabalhar num western contemporâneo logo que Letts se despache de escrever para Spielberg um argumento baseado nas Vinhas da Ira de John Steinbeck). E rima com isto, e com este convite a que a catástrofe se abata para tudo poder recomeçar de novo, o facto de o filme escolhido para marcar a atribuição do Leão de Ouro ser o thriller Sorcerer (1977), exibido em Veneza em versão restaurada.

É o filme favorito de Friedkin, aquele cujo resultado ficou mais perto da sua "visão", segundo disse. Veio a seguir aos sucessos de O Exorcista e de Os Incorruptíveis contra a Droga (1971), mas foi um flop. Os tempos mudavam, corria o ano de A Guerra das Estrelas — para além de ter sido uma rodagem, na República Dominicana, conturbada, assolada por doenças e conflitos na equipa.

Uma nova adaptação do romance de Georges Arnaud que Clouzot já levara ao cinema, Le Salaire de la peur, Sorcerer tem Roy Scheider, Bruno Cremer, Francisco Rabal e Amidou a interpretarem quatro personagens de nacionalidades diversas que são atiradas umas contra as outras para os confins da América do Sul. Onde são contratadas para transportarem num camião um carregamento de nitroglicerina. O longo prólogo, com o background de cada uma delas, saltando o filme de cenário em cenário, é típico de uma certa ameaça de desagregação narrativa de estilística que está no cinema de Friedkin. Interessa-lhe, sobretudo, ver o que acontece quando as personagens se encontram e até isso acontecer o filme parece ser apenas um oportunista means to an end. A partir do momento em que elas estão juntas Sorcerer pode fazer lembrar alguns dos momentos áureos de Raoul Walsh ou John Huston, ferozmente coeso ate à agonia, à autodestruição e à fantasmagoria. Friedkin quis dizer coisas "relevantes" — foi a palavra que usou — sobre o seu tempo com Sorcerer, nomeadamente a necessidade de as nações se ajudarem para evitarem o extermínio. Considera mesmo que é um filme actual. Porque nunca sentiu um clima de fim como hoje — com excepção dos tempos da II Guerra Mundial.

E depois falou de Jesus Cristo e do "mistério da fé", o tema, disse, de O Exorcista. Alguém, na conferência de imprensa, lembrou-se dos seus conflitos com Gene Hackman nos tempos de Os Incorruptíveis contra a Droga ("Ele que se foda!") e William lembrou que Hackman, que hoje vive retirado, a pintar e a escrever, teve o sucesso que teve e o Óscar pelo facto de o ter constantemente provocado, qual psiquiatra, para chegar a um centro de dor emocional do actor e provocar a explosão de violência — é assim que trabalha também com os cantores de ópera. Com o mesmo tom, contou que alguém na rua lhe perguntou como se sentia por Os Incorruptíveis contra a Droga ter roubado o Óscar à Laranja Mecânica de Kubrick, ao que ele respondeu que o seu era filme mais divertido. Ainda confundiu filmes de Paolo Sorrentino e Matteo Garrone, que diz admirar; lembrou Hitchcock e a incrível história de amor que é Intriga Internacional; confessou que os filmes que vê hoje são os que já viu no passado, mas agora em Blue Ray: todo o Antonioni, mas sobretudo Blow Up, O Mundo a seus Pés, O Tesouro de Sierra Madre (algo deste está em Sorcerer), All About Eve, The Bandwagon... E exortou todos os que querem ser realizadores: "Saiam da escola de cinema. Do it yourself."