É pena Sandra e George não terem estado sozinhos no espaço
Começa com um desejo de silêncio que é interessante, como se dissesse chiuuu!!!!! aos . Mas depois apetece dizer chiuuuu! à musica que o inunda. Gostaríamos de ter visto George Clooney e Sandra Bullock muito mais sozinhos no espaço em Gravity , que abriu o Festival de Veneza.
Foram mais de cinco anos com este projecto, porque foi preciso inventar a tecnologia para simular corpos em situação de ausência de gravidade, que é o que acontece às personagens de Bullock e de George Clooney, as duas únicas ao longo de Gravity — e a partir de certo momento, é mesmo só uma. Uma coisa tem que se dizer: esse investimento produtivo colocado na tecnologia é completamente serenado em Gravity, filme que começa por surpreender, é verdade, por desejar instalar-se no silêncio estando claramente num espaço minado porque ali costumam explodir barulhentos blockbusters. A isso Gravity começa por dizer: chiuuu!!!! Ao começar assim, consegue fazer crer que a sua maior ambição não é, portanto, o computador, mas um lirismo muito humano, com Sandra e George sozinhos no espaço,
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Foram mais de cinco anos com este projecto, porque foi preciso inventar a tecnologia para simular corpos em situação de ausência de gravidade, que é o que acontece às personagens de Bullock e de George Clooney, as duas únicas ao longo de Gravity — e a partir de certo momento, é mesmo só uma. Uma coisa tem que se dizer: esse investimento produtivo colocado na tecnologia é completamente serenado em Gravity, filme que começa por surpreender, é verdade, por desejar instalar-se no silêncio estando claramente num espaço minado porque ali costumam explodir barulhentos blockbusters. A isso Gravity começa por dizer: chiuuu!!!! Ao começar assim, consegue fazer crer que a sua maior ambição não é, portanto, o computador, mas um lirismo muito humano, com Sandra e George sozinhos no espaço,
Mas depois… começa a mostrar-se também que as personas de George e de Sandra (aquilo que dizem ser o charme dele e que é a tendência incorrigível para fazer o número de mestre de cerimónias das cenas; e o tal lado de desenrascanço doméstico dela) talvez impeçam o filme de chegar às alturas, como Mary Elizabeth Mastrantonio e Ed Harris chegavam, mesmo estando nas profundezas, no Abismo de James Cameron (1989) — e Bullock sozinha na nave também é um fraco remake da Ripley de Sigourney Weaver no Alien. E começa a mostrar-se que se calhar — mas não é apenas uma hipóteses, o filme vai confirmando-o — essa vocação doméstica do par para a qual George e Sandra aqui parecem feitos (há momentos de uma screwball comedy eficaz mas não excessivamente inspirada, logo, não inteiramente jogada nem arriscada) é apenas o rosto da visão convencional e domesticada de Cuarón, que também é um dos argumentistas.
No fundo, como ele depois disse em confêrencia de imprensa, tudo isto será uma grande metáfora, em que os destroços das naves rimam com as dificuldades destes dias difíceis. E em que espreita e se declara uma filosofia de auto-reconstrução: a personagem de Sandra Bullock, presa a uma tragédia do passado, tem de andar outra vez de pé e sozinha — e Cuarón não faz por menos, filma Sandra a passar do rastejanço ao andar humano, como uma síntese da evolução das espécies (ali vê-se como o treino de dança dela ajudou). O que começou silencioso acabou a gritar. Por esta altura já a música deflagra há algum tempo as imagens, apetece mesmo sussurrar: chiuuuu!!!!. É pena Sandra e George não terem estado sozinhos no espaço.