John Almeida, o transportador de bandas como Sonic Youth e Cult

É músico e letrista e, durante um período do ano, "runner". Faz de taxista, faz de ama-seca, faz de guia turístico e às vezes também faz de conta que anda em digressão

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Billy Duffy é o mais expansivo dos Cult, David Johansen, dos New York Dolls, sai dos hotéis com chávenas de cimbalino na mão, o “senhor” Peter Murphy dá uns toques de português (e fala turco com a filha), os Primal Scream são viciados e, sempre que possível, os Gravy Train trocam o “soundcheck” por um belo mergulho na praia.

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Billy Duffy é o mais expansivo dos Cult, David Johansen, dos New York Dolls, sai dos hotéis com chávenas de cimbalino na mão, o “senhor” Peter Murphy dá uns toques de português (e fala turco com a filha), os Primal Scream são viciados e, sempre que possível, os Gravy Train trocam o “soundcheck” por um belo mergulho na praia.

O denominador comum é John Almeida, “runner” — e a expressão inglesa vem colada a tudo aquilo que lhe pedem para fazer: buscar os Sex Pistols ao aeroporto, levar o Tricky ao hotel, receber os Sonic Youth, entreter os Blonde Redhead, acompanhar Patrick Wolf ao restaurante e garantir que os Nine Inch Nails não chegam demasiado atrasados ao recinto do festival (pelo caminho não esquecer de devolver a chávena ao Sheraton e de dizer aos Gravy Train “já chega de água!”). “E fazer o caminho inverso. E muitas outras coisas. E mil e uma coisas, tudo a correr”, explicou ao P3 John, “transportador de bandas” desde 2007.

“Essa é a função principal, o transporte. Mas há muitas outras coisas que te pedem se estás aí à mão. Pedem-te coisas inacreditáveis”. Não há histórias “dignas dos anos 70”, mas há histórias dignas dos anos 90, substâncias controladas, moças descontroladas, contratempos, desvios, poucas horas de sono e noites mal (ou bem) passadas com o palco como música de fundo, alapado na carrinha à espera que os Blood Red Shoes apareçam e digam “ready, set, go”.

Ser "runner" não é emprego, é biscate

Quem gostavas que te conduzisse?

Ser “runner” “não é um emprego, é um biscate” que dura alguns dias de alguns meses e que, no caso de John Almeida, 39 anos, coincide com a grande paixão da sua vida que é a música. “Se fosse para transportar políticos, com certeza que não conduzia”, esclarece John, que nasceu em Londres, onde viveu vários anos, essencialmente da música. Teve uma banda (Desman), foi figurante no teledisco "Miss Lucifer" e deixou-se levar por um novelo de relações que hoje lhe permitem ter um currículo invejável na altura de preencher a candidatura a “runner”.

O que é um runner?

“Estavam à procura de alguém que falasse fluentemente inglês, condição essencial para artistas mais complicados, como por exemplo o Peter Murphy, que já tinha tido uma má experiência com alguém que não o entendia bem”, comenta John, um elemento invisível também no festival Optimus Primavera Sound, que decorre entre os dias 7 e 10 de Junho, no Porto. É tradutor do material de comunicação para a imprensa estrangeira e “runner”.

John Almeida gosta de pensar em si próprio como músico (o álbum do seu projecto LittleFriend está a ser produzido por André Tentugal, videasta e músico que escolheu John para lhe escrever as letras dos We Trust), mas admite que “é fácil uma pessoa esquecer-se que, no fundo, é apenas o motorista”. “Quase que sentes que estás em digressão com eles como ‘tour manager’” — papel que já desempenhou com os X-Wife.

Digressão com Peter Murphy

Durante alguns dias de alguns meses por ano, John fantasia. Faz parte da digressão de Peter Murphy, viaja calado com os caladinhos Franz Ferdinand e é membro dos Cult, banda que John idolatrou enquanto adolescente. “Podem chamar-me ‘runner’ para não ser ‘driver’, mas às vezes é bom uma pessoa não perder a noção de que está ali para fazer um trabalho que é conduzir as bandas e, dentro do possível, fazer o que lhe mandam”, conta John, que não toma a liberdade de começar uma conversa, mas que ouve música no carro.

Ouve música no carro, sim, mas com regras:

1 – não passar “Cansei de Ser Sexy” para as Cansei de Ser Sexy, nem “No Shouts, No Calls” para as Electrelane, e muito menos “Freaks” para os Pulp.

2 – evitar quase todas as estações de rádio.

3 – nunca pôr um CD dos LittleFriend.

E quem é que John gostava que fosse o seu “runner”? Excluindo à partida a maior parte das suas bandas preferidas, “que são inglesas e conduzem do lado errado da estrada”, e Elliott Smith, que “guiava com o volante à esquerda”, John escolhe uma outra história. “Fui ao aeroporto de Vigo buscar o Jarvis Cocker, que vinha separado dos Pulp. Vinha exausto, mas foi exactamente o que eu esperava que ele fosse. Perguntou se eu me importava que bebesse uma cerveja. E foi a primeira pessoa que me perguntou o que é que eu fazia. ‘Com certeza que não fazes isto o tempo todo’. Tivemos 20 minutinhos de conversa agradável antes de me perguntar se eu me importava que ele dormisse. Gostava que ele me conduzisse”. De preferência acordado.

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