"O que diz Lisboa?" é ironia, é o retrato de uma capital
Laura Ramos tem muitos vícios: admirar o Bairro Alto, fotografar "street art" com o telemóvel e reproduzir frases que pertencem a todos e a ninguém
Ter uma parede é como ter “caneta e papel”. “Muros brancos, povo mudo”, dizem os muros, carregados de verdades, frustrações e outras declarações. “Ninguém pode sonhar por ti”; “Pinto por prazer, sem fins lucrativos”; “A burguesia que pague a crise”, “Os ricos com médico privado e os pobres privados de médico"; “Tanta casa sem gente, tanta gente sem casa”; “Queres namorar? Quero”.
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Ter uma parede é como ter “caneta e papel”. “Muros brancos, povo mudo”, dizem os muros, carregados de verdades, frustrações e outras declarações. “Ninguém pode sonhar por ti”; “Pinto por prazer, sem fins lucrativos”; “A burguesia que pague a crise”, “Os ricos com médico privado e os pobres privados de médico"; “Tanta casa sem gente, tanta gente sem casa”; “Queres namorar? Quero”.
Podíamos continuar com isto por mais 2500 caracteres. Mas falta contar outra história, a de Laura Ramos, que em 2006, depois de um curso de fotografia em Roma, deu início a um projecto interminável: colecionar "street art" com o telemóvel (aceita-se "graffiti", "stencil", autocolantes, tinta, giz...).
“Gostava tanto de admirar o Bairro Alto, em Lisboa, como a 'street art' que o acompanha. Por isso comecei a colecionar. Primeiro com um Nokia N73 e mais recentemente com um iPhone”, contou ao P3. Todas as fotos são tiradas com telemóvel. Mas a página de Facebook “O que diz Lisboa?” “não mostra nem uma décima parte” da sua recolha.
E o que diz Lisboa? “Diz muita coisa, mesmo. Não é só uma questão de manifestações espontâneas nas paredes. São desabafos. É o retrato de uma capital. São declarações de amor, manifestações de ódio, é um livro de história, é a ironia, o humor. Muito do que as pessoas dizem ao mundo, está nestas paredes”.
Não se sabe quantas pessoas param — ou não param — para ler. Não se sabe quanto tempo duram. “De repente, vindo do nada, são apagadas”, lembra Laura Ramos. Aí entra ela, a colecionadora, e as frases que ela açambarca. Desde um “Amo-te Tânia” ao clássico “Troco Magalhães por Playstation”, passando pela história do “Senhor do Adeus”.
O fruto proibido...
A fotógrafa e jornalista anda em digressão com a exposição “O que diz Lisboa?” (nas livrarias Almedina de Coimbra, Lisboa e Vila Nova de Gaia) e está a preparar a edição de um livro com uma selecção. O mesmo projecto deverá surgir um dia destes num documentário, que fará o enquadramento da “street art” em Lisboa desde a revolução de 25 de Abril.
A página do Facebook serviu ainda para passar a palavra — e já se fala das filiais “O que diz Coimbra?” e “O que diz o Porto?”. “Não considero vandalismo, mas há de tudo”, junta Laura. Num prato da balança está a arte e a intervenção. No outro, “tags, marcas territoriais que sujam”. “Mesmo Os Gêmeos quando vieram a Lisboa [pintar um prédio na avenida Fontes Pereira de Melo] perguntaram ‘onde é que vamos pintar comboios?’”
“Todos têm uma atracção pelo fruto proibido”. Ela própria não escapa. Está viciada em sacar do telemóvel (“o vício de olhar para as paredes pode ser perigoso a conduzir”) e em reproduzir frases que não são de ninguém. “One day i will paint all of it”. Rua da Rosa. Bairro Alto.