O musseque angolano nas paredes da galeria
A exposição “Angola não é um país pequeno” rasgou literalmente as paredes do espaço “Uma Certa Falta de Coerência”, no Porto
“Uma Certa Falta de Coerência” é uma galeria no número 77 da rua dos Caldeireiros, no coração do Porto. A galeria recebeu a exposição “Angola não é um país pequeno” e a exposição esventrou o espaço da galeria, descobrindo um pouco de África dentro das suas paredes.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
“Uma Certa Falta de Coerência” é uma galeria no número 77 da rua dos Caldeireiros, no coração do Porto. A galeria recebeu a exposição “Angola não é um país pequeno” e a exposição esventrou o espaço da galeria, descobrindo um pouco de África dentro das suas paredes.
O parágrafo anterior é literal.
Paulo Moreira, arquitecto licenciado pela Universidade do Porto e estudante de doutoramento na London Metropolitan University, dedicou os últimos anos a estudar os musseques — os chamados bairros informais — de Chicala, em Luanda. Trabalhou com 70 alunos de duas faculdades de Arquitectura (Agostinho Neto e Lusíada) e registou a evolução (desde a independência) do musseque mais central de Luanda, um bairro condenado à demolição.
“Fizemos sugestões de melhorias no bairro, que muitas pessoas não querem abandonar. E aproveitamos para criar uma espécie de memória para o futuro”, explicou ao P3 Paulo Moreira, cuja investigação foi premiada com o Noel Hill Travel Award, atribuído pelo American Institute of Architects, e o Prize for Social Entrepreneurship, da London Metropolitan.
“O sítio tem problemas, mas não se pode culpar a tipologia a as especificidades das casas. Quer seja a Chicala quer seja o Aleixo. É limitativo. O problema não são as casas. A arquitectura tem que deixar margem para a apropriação do espaço por parte dos seus moradores”, argumenta o arquitecto, que durante dois meses viveu na Chicala e que não é nada apologista da teoria “demolir para construir uma tipologia definida à distância”.
Adega 77
Voltou ao Porto carregado. Aos relatórios, esboços e inquéritos juntou uma série de objectos característicos da improvisada arquitectura do musseque (como os sacos de 150kg de trigo e as caricas usadas como anilhas dos pregos) e arrumou tudo no número 77 da rua dos Caldeireiros, onde começa o segundo capítulo desta história.
Em 1975, o espaço onde está agora a galeria “Uma Certa Falta de Coerência” era a Adega 77, pertença da dona Teresa, retornada que se tornou numa das protagonistas da exposição. Paulo Moreira rasgou algumas paredes e destapou memórias. “É a minha vida que aparece em todos os pedaços de parede”, confessa a senhoria do espaço “Uma Certa Falta de Coerência” — voz-off de uma das instalações vídeo.
Entretanto, e até ao dia 25 de Dezembro, está a decorrer um crowdfunding de angariação de fundos. Caso seja bem sucedido, a galeria receberá o lançamento do livro “A Chicala não é um Bairro Pequeno” (edição de autor).