Lucas Abela, o implacável exterminador de discos de vinil
Carros telecomandados, agulhas, microfones, parafusos e um "ódio de estimação por música gravada". O Trama no seu melhor
Está um disco rachado a meio (James Last) e ninguém quer saber. Há uma menina munida de um Black & Decker e um rasto de parafusos cravados no vinil que parece ter chegado ao fim da sua Via Sacra. The Rascals, Nena, Resistors, Bad Company, Whitsnake — e não nos obriguem a dizer os nomes dos discos a sério.
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Está um disco rachado a meio (James Last) e ninguém quer saber. Há uma menina munida de um Black & Decker e um rasto de parafusos cravados no vinil que parece ter chegado ao fim da sua Via Sacra. The Rascals, Nena, Resistors, Bad Company, Whitsnake — e não nos obriguem a dizer os nomes dos discos a sério.
Passamos por um armazém lateral da Estação de São Bento, no Porto. Lucas Abela (o alter ego DJ Smallcock) está com ar de carpinteiro — e um olhar de soldado romano. Tem serrim na roupa e vai acomodando as centenas de discos com os pés (literalmente com os pés) deixando pegadas e riscos profundos sobre as músicas que sobreviveram ao CD, ao MP3 e às invenções da Apple. Não vão sobreviver a Lucas (ver para crer).
A performance "Vinyl Arcade", associada ao Festival Trama, consiste na construção de uma pista coberta de discos de vinil onde circulam carros telecomandados presos a uma agulha. O condutor senta-se ao volante de uma máquina de Arcade “old school”. O som é... uma experiência.
O evangelho segundo Lucas: “A música gravada nunca é tão boa como a original tocada pelo músico. Prefiro o intimismo de um concerto ao ambiente esterilizado de um estúdio de gravação. As gravações nunca são tão boas como ‘the real thing’”.
Ao P3, o australiano Lucas Abela declara-se culpado. E sem remorsos. “Tenho um ódio de estimação por música gravada. Por isso gosto deste tipo de destruição.”
Na sua opinião “antes da produção massificada, onde havia música havia um músico a tocar”. “A música gravada roubou-nos isso. Agora há colunas nos cantos”, lamenta o performer com “um certo prazer em estragar um disco de colecção ou o disco de uma banda conhecida”. “Já destrui álbuns de bandas que estavam presentes no evento para o qual eu tinha sido convidado.”
Uma praga
Por causa dos discos (e da sua evolução) “os músicos do dia-a-dia, os que tocam em pequenos bares, já não têm trabalho”. Conclusão: “A gravação de discos não é uma recompensa, é uma praga”.
Numa altura em que a cultura de discos de vinil atravessa um ressurgimento, Lucas aproveitou-se “da memória que muitos têm dos anos oitenta, de estarem ao volante de um simulador de carros de corrida”. Comprou duas máquinas Arcade “muito baratas”, ligou-as a dois carros telecomandados, espetou-lhes microfones de contacto e duas agulhas e apaixonou-se pela ideia de “ter um jogo que não é um jogo, um jogo real, a realidade virtual representada de uma forma estranha”.
3, 2, 1, Racing! “Ó meu Deus! Aquilo são os The Who, “Live at Leeds!”