A música de Jeanne é o cinema de Pedro ou no sótão com Jeanne
Ela é uma Nico da Rive Gauche, uma Marlene do rock da distorção, é cantora de opereta, tortura-se com as "torch songs" e com o "blues", a voz vai de Offenbach a "Johnny Guitar", eis Jeanne Balibar, também actriz. Desde 2005 que Pedro Costa a vem filmando, depois de se terem encontrado num júri de um festival de documentários em Marselha, onde ela lhe terá confidenciado que cada vez mais gostava dos filmes em que os actores que representavam não eram actores. Depois do encontro dele com a música do primeiro álbum dela, "Paramour", houve uma pequena ajuda de um amigo comum, Philippe Morel: engenheiro de som dos filmes dele e de filmes com ela, foi ele que lançou a ideia de um fazer algo com a música do outro.
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Ela é uma Nico da Rive Gauche, uma Marlene do rock da distorção, é cantora de opereta, tortura-se com as "torch songs" e com o "blues", a voz vai de Offenbach a "Johnny Guitar", eis Jeanne Balibar, também actriz. Desde 2005 que Pedro Costa a vem filmando, depois de se terem encontrado num júri de um festival de documentários em Marselha, onde ela lhe terá confidenciado que cada vez mais gostava dos filmes em que os actores que representavam não eram actores. Depois do encontro dele com a música do primeiro álbum dela, "Paramour", houve uma pequena ajuda de um amigo comum, Philippe Morel: engenheiro de som dos filmes dele e de filmes com ela, foi ele que lançou a ideia de um fazer algo com a música do outro.
Desde Novembro que Costa vem, então, montando essas imagens e sons que recolheu ao longo destes anos, em concertos (aproveitando, por exemplo, a estreia de um dos seus filmes em Tóquio para filmar o espectáculo que Balibar apresentou na cidade japonesa), ensaios, gravações (já para o segundo álbum de Balibar), uma opereta, tudo produto de paciente artesanato, feito entre amigos, com poucos meios -"é assim que me convém", dizia o cineasta ontem na apresentação do filme.
O resultado chama-se "Ne Change Rien" (Quinzena dos Realizadores), e aí Balibar metamorfoseia-se. (Ela diz que foi um encontro ideal: esteve ali, actriz sem o ser, como nos filmes de que cada vez mais gosta, aqueles que têm actores que não pertencem ao "métier"). Os rostos são esculpidos com a ajuda da luz e da sombra, em sotãos e espaços exíguos de ensaios que certamente escondem segredos, um cenário expressionista atravessado por um gato preto - saído, naturalmente, de um filme de Jacques Tourneur.
Não há forma, e julgamos que não há intenção, de o retrato se fixar. Retrato de Jeanne? No mesmo sentido em que "Sympathy for the Devil" (1968), em que Godard testemunhou o nascimento de uma canção, (não) era um retrato dos Rolling Stones... O que se mantém, isso não muda, é o trabalho, o esforço, a repetição, a obsessão. E a matéria daí resultante, som, a música. Costa diz que filma para "servir" quem tem à frente, ou quem tem ao lado a trabalhar com ele ("só assim é que o cinema é belo"). Mas sabemos também como, sobretudo, cria as condições para se encontrar com as suas sombras, fixar-se nelas e nelas esconder segredos - ou acenar-nos com eles. Em "Ne Change Rien", ou "No estúdio com Jeanne", a música dela é o cinema dele. Não por causa do negrume - ou não fundamentalmente por causa disso. Mas porque através dos ensaios, da repetição, desta obsessão em filigrana no estúdio, nos ensaios o tempo faz-se matéria densa, revela-se a tensão dramática de um planos fixo. Com "Ne Change Rien" a música encontrou um seu obsessivo Sternberg. É um retrato do cinema de Pedro.
Oiça aqui as músicas: