A desencarnação de Ian Curtis
Em relação a "Control", a também nada convencional biografia de Ian Curtis, dos Joy Division, filmada por Anton Corbijn a partir de "Touching from a Distance" (o livro que escreveu a viúva de Ian, Deborah Curtis), se calhar quanto menos se souber do mito, melhor, mais hipóteses há de se gostar do filme. Não porque Corbijn desmitifique, na verdade. Mas porque o realizador escolhe um caminho - é o essencial em "Control": a passagem... -, que é um percurso pelas estações da vida material de "small people" para, assim, voltar a instalar o mito "bigger than life". (Como se num primeiro momento retirasse o poster de Curtis das paredes, para o volta a colocar lá, nas alturas, porque é nas alturas que "Control" termina).
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Em relação a "Control", a também nada convencional biografia de Ian Curtis, dos Joy Division, filmada por Anton Corbijn a partir de "Touching from a Distance" (o livro que escreveu a viúva de Ian, Deborah Curtis), se calhar quanto menos se souber do mito, melhor, mais hipóteses há de se gostar do filme. Não porque Corbijn desmitifique, na verdade. Mas porque o realizador escolhe um caminho - é o essencial em "Control": a passagem... -, que é um percurso pelas estações da vida material de "small people" para, assim, voltar a instalar o mito "bigger than life". (Como se num primeiro momento retirasse o poster de Curtis das paredes, para o volta a colocar lá, nas alturas, porque é nas alturas que "Control" termina).
Esta é a história de um grupo de rapazes de um deprimido subúrbio da deprimida Manchester. Esta é a história de um rapaz da aldeia assustado com a sua epilepsia, assustado com o peso da fama que vê chegar, com a vida familiar que não quer, com o adultério a que não resiste. (É músico, podia ser carpinteiro). Tudo isto num preto e branco que cria um halo à volta das personagens, assim se sublinhando a sua angustiante distância e intocabilidade - tocá-las só com a distância. Isso é uma forma de fidelidade a esse "touching from a distance" do título do livro que uma mulher escreveu sobre o seu marido, Deborah sobre Ian.
"Control" mantêm-se, assim, fiel à impossibilidade de galgar a distância que separa duas pessoas, fiel à impossibilidade de explicar o que se passa dentro de um corpo - porque, finalmente, só se pode mostrar o que ele tem de atravessar.
Isto, dito assim, parece saído de um filme de Robert Bresson e não de um filme de um realizador de videoclips. E dito assim é também algo que surpreenderá o próprio Corbijn. Em entrevista que publicamos nestas páginas, o realizador admite não conhecer especialmente o cinema - também se pode querer ver em "Control" algo que faz uma síntese daquele claustrofóbico cinema britânico dos anos 60/70 feito pelos "angry young" cineastas desse tempo.
É bonito que Corbijn recuse a cinefilia: este filme vem, então, de um lugar mais solitário, virginal. É essa a intensidade da sua luz. Mas é um filme que vem, claro, da obra (de fotógrafo, de realizador de videoclips) de Corbijn, onde (vejamse as pantomimas cúmplices com os Echo & the Bunnymen; ou o que Corbjin filmou para Nirvana e Depeche Mode) o mundo tem a escala de uma miniatura onde se coreografa um percurso - não devemos ter medo da palavra - crístico. Ei-lo, então, Sam Riley, encarnando Ian Curtis. Não há muitas palavras, que possam escapar ao lugar-comum, para descrever, e estar altura, da emoção de o ver desconjuntar-se em "Transmission" (a primeira exposição da electrizante presença em palco de Curtis), invocando/ exorcizando a sua epilepsia ("She''s lost control"), as ruínas majestosas do casamento ("Love will Tear us Apart"), o cerco final ("Isolation") e a libertação (não devemos ter medo da palavra, também, isto é uma ascese), com "Atmosphere".
A câmara sobe para acompanhar o fumo do forno crematório que espalha Ian Curtis e é o fim. Ei-la, a desencarnação de Ian Curtis.