O Encantador de Cavalos
Na semana em que se estreia "O Encantador de Cavalos", o filme em que, pela primeira vez, Robert Redford se filma a si próprio, podemos ver também, em "Abril", como Nanni Moretti se esconde parecendo que se está a mostrar. E ao ver Redford ? sobretudo, ao ver Moretti ? lembramo-nos de como outro actor, outro liberal americano, Warren Beatty, estrela que sempre se envolveu em brumas e maquilhagem, parecia tanto expor-se no seu último filme como realizador/intérprete, "Bullworth" (ainda não estreado nas salas portuguesas), quando o que estava a fazer era carregar-se ainda de mais sortilégio. Beatty e Moretti, parecendo expor-se e mostrando-se tão avidamente narcisistas, continuam misteriosos; Redford, que tanto se quis rebelar contra a "prisão" da sua imagem, enredou-se em mutismo, reserva e crepúsculos e assim congelou o mistério. Esta é uma vedeta que sempre se consumiu por uma mágoa: a de ter ficado "prisioneira de uma imagem" e não lhe sobrar reconhecimento como actor. A partir do momento em que o diamante, em toda a sua "all american handsomeness", começou a tomar conta da carreira, no final dos anos 60, passou a escolher realizadores e a produzir os seus veículos. Nessa estratégia ? assombrada por "O Grande Gatsby", de Jack Clayton (74), que o trouxe como herói "fitzgeraldiano" e foi um ponto culminante da sua frustração de actor ? ficam para a história da sua filmografia "As Brancas Montanhas da Morte"/ "Jeremiah Johnson" (72), "O Nosso Amor de Ontem"/ "The Way We Were", "Os Três Dias do Condor"/ "Three Days of the Condor" (75) ? todos de Sidney Pollack ? e "Os Homens do Presidente"/ "All the Presidents Men" (76), de Alan Pakula. Nesses filmes, a inocência loura de Redford era propositadamente contaminada por um romantismo terminal ou, estando ao serviço do liberalismo americano, imolada pelas instituições. Pegando nessas duas vias, Redford conseguiria, em anos recentes, actualizações mais ou menos nostálgicas, envelhecidas ("África Minha" ou "Havana"), e mais ou menos paródicas ("Sneakers"). Antes, já tinha começado a realizar, e a sua estreia fez-se sob o signo do trauma familiar, com "Gente Vulgar", em 1981. Voltou, como realizador, à ideia de inocência americana estilhaçada ("The Milagro Beanfield War"; "Quiz Show") procurando, até, no rosto dos seus actores uma forma de projecção; para se prolongar. Afirmava-se, de forma subliminar, um narcisismo que só não era evidente porque o realizador se esquivava a enfrentar as câmaras. Aconteceu agora, em "O Encantador de Cavalos". De novo o trauma familiar, como em "Gente Vulgar". Mas desta vez Redford, afinal, está com saudades do Gatsby. "Tem-se o sentimento de que os nossos responsáveis políticos vêm o mundo como um desenho animado de Hollywood, com um happy end e um pôr-de-sol". É o descontentamento de Redford, o liberal e o defensor do cinema independente, perante a América e Hollywood. O mesmo podia ser dito sobre o interminável "O Encantador de Cavalos" que apenas parece ter um propósito nas suas quase três horas de duração: engordar o melodrama com câmaras lentas para se poder vislumbrar o herói no seu mutismo. O que é um herói, perguntou uma vez Redford? "É um homem que atinge uma certa grandeza, mas que se pode destruir quando procura beneficiar os outros". Dizei-me espelho meu...
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Na semana em que se estreia "O Encantador de Cavalos", o filme em que, pela primeira vez, Robert Redford se filma a si próprio, podemos ver também, em "Abril", como Nanni Moretti se esconde parecendo que se está a mostrar. E ao ver Redford ? sobretudo, ao ver Moretti ? lembramo-nos de como outro actor, outro liberal americano, Warren Beatty, estrela que sempre se envolveu em brumas e maquilhagem, parecia tanto expor-se no seu último filme como realizador/intérprete, "Bullworth" (ainda não estreado nas salas portuguesas), quando o que estava a fazer era carregar-se ainda de mais sortilégio. Beatty e Moretti, parecendo expor-se e mostrando-se tão avidamente narcisistas, continuam misteriosos; Redford, que tanto se quis rebelar contra a "prisão" da sua imagem, enredou-se em mutismo, reserva e crepúsculos e assim congelou o mistério. Esta é uma vedeta que sempre se consumiu por uma mágoa: a de ter ficado "prisioneira de uma imagem" e não lhe sobrar reconhecimento como actor. A partir do momento em que o diamante, em toda a sua "all american handsomeness", começou a tomar conta da carreira, no final dos anos 60, passou a escolher realizadores e a produzir os seus veículos. Nessa estratégia ? assombrada por "O Grande Gatsby", de Jack Clayton (74), que o trouxe como herói "fitzgeraldiano" e foi um ponto culminante da sua frustração de actor ? ficam para a história da sua filmografia "As Brancas Montanhas da Morte"/ "Jeremiah Johnson" (72), "O Nosso Amor de Ontem"/ "The Way We Were", "Os Três Dias do Condor"/ "Three Days of the Condor" (75) ? todos de Sidney Pollack ? e "Os Homens do Presidente"/ "All the Presidents Men" (76), de Alan Pakula. Nesses filmes, a inocência loura de Redford era propositadamente contaminada por um romantismo terminal ou, estando ao serviço do liberalismo americano, imolada pelas instituições. Pegando nessas duas vias, Redford conseguiria, em anos recentes, actualizações mais ou menos nostálgicas, envelhecidas ("África Minha" ou "Havana"), e mais ou menos paródicas ("Sneakers"). Antes, já tinha começado a realizar, e a sua estreia fez-se sob o signo do trauma familiar, com "Gente Vulgar", em 1981. Voltou, como realizador, à ideia de inocência americana estilhaçada ("The Milagro Beanfield War"; "Quiz Show") procurando, até, no rosto dos seus actores uma forma de projecção; para se prolongar. Afirmava-se, de forma subliminar, um narcisismo que só não era evidente porque o realizador se esquivava a enfrentar as câmaras. Aconteceu agora, em "O Encantador de Cavalos". De novo o trauma familiar, como em "Gente Vulgar". Mas desta vez Redford, afinal, está com saudades do Gatsby. "Tem-se o sentimento de que os nossos responsáveis políticos vêm o mundo como um desenho animado de Hollywood, com um happy end e um pôr-de-sol". É o descontentamento de Redford, o liberal e o defensor do cinema independente, perante a América e Hollywood. O mesmo podia ser dito sobre o interminável "O Encantador de Cavalos" que apenas parece ter um propósito nas suas quase três horas de duração: engordar o melodrama com câmaras lentas para se poder vislumbrar o herói no seu mutismo. O que é um herói, perguntou uma vez Redford? "É um homem que atinge uma certa grandeza, mas que se pode destruir quando procura beneficiar os outros". Dizei-me espelho meu...