Governo britânico deixa cair planos para repelir barcos de migrantes no Canal da Mancha
Proposta dava luz verde às autoridades fronteiriças para usarem métodos controversos para forçar os migrantes a regressar a França. Denúncia apresentada por opositores aos “pushbacks” ia ser ouvida em tribunal na próxima semana.
Ao fim de vários meses a defendê-la no espaço público, na comunicação social e nas diferentes comissões especializadas da Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes, o Governo britânico deixou cair uma controversa proposta para transformar em prática oficial e reiterada das suas autoridades fronteiriças a chamada táctica dos “pushbacks” – o acto de repelir e devolver ao local de partida as embarcações de migrantes e de requerentes de asilo que pretendem entrar no Reino Unido pela via marítima.
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Ao fim de vários meses a defendê-la no espaço público, na comunicação social e nas diferentes comissões especializadas da Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes, o Governo britânico deixou cair uma controversa proposta para transformar em prática oficial e reiterada das suas autoridades fronteiriças a chamada táctica dos “pushbacks” – o acto de repelir e devolver ao local de partida as embarcações de migrantes e de requerentes de asilo que pretendem entrar no Reino Unido pela via marítima.
No caso concreto, o Governo de Boris Johnson e, particularmente, a ministra do Interior, Priti Patel, queriam devolver a França os barcos de migrantes que atravessam o Canal da Mancha para tentar chegar “de forma irregular” ao território britânico.
Para tal, foi anunciado que a Marinha e o Ministério da Defesa iriam comandar essas operações e ter autoridade total sobre todos os navios, incluindo os da Força Fronteiriça (Border Force) e os do Ministério do Interior.
Foram ainda discutidos e propostos diferentes mecanismos para proteger os funcionários fronteiriços de serem processados judicialmente em caso de lesões ou de falecimento de migrantes no âmbito de uma operação para os repelir.
Segundo o Ministério do Interior britânico, 28.526 pessoas completaram, no ano passado, a travessia do Canal da Mancha, a maioria em barcos de borracha.
A renúncia a estes planos – inseridos no projecto de lei Nationality and Borders Bill, a grande reforma migratória pós-“Brexit”, que, mesmo estando na sua etapa legislativa final, continua a encontrar obstáculos e opositores nas diferentes câmaras do Parlamento, e a ver sucessivamente adiada sua entrada em vigor –, foi confirmada no início desta semana pelo departamento jurídico de Downing Street. Mas o timing da decisão está a dar que falar.
Isto porque a desistência acontece a cerca de uma semana do início de uma sessão de três dias no Tribunal Superior de Justiça de Inglaterra e do País de Gales, onde o sindicato PSC e as organizações de direitos humanos Care4Calais, Channel Rescue e Freedom from Torture, que interpuseram uma acção judicial de oposição à medida, invocando os tratados e outros compromissos internacionais do Reino Unido em matéria de acolhimento e protecção de refugiados ou requerentes de asilo, iriam apresentar o seu caso.
Para Mark Serwotka, secretário-geral do PCS – que representa uma importante fatia de funcionários públicos que integram os vários departamentos do Governo –, estamos perante uma “retirada humilhante do Governo” e uma “vitória estrondosa para os trabalhadores do Ministério do Interior e para os refugiados”.
“A táctica dos pushbacks é extremamente perigosa e representa um enorme risco para a vida e para a integridade física [dos migrantes]. Não estamos minimamente disponíveis para permitir que os nossos membros sejam colocados nesta situação horrível”, reagiu Serwotka, citado pelo The Guardian.
“O PCS sente-se orgulhoso por ter apresentado esta acção judicial, em conjunto com grupos de refugiados, para impedir que esta proposta moralmente condenável e absolutamente desumana pudesse ver a luz dia”, acrescentou. “Não há dúvidas nenhumas de que foram salvas vidas”.
Travessias “desnecessárias”
Através do seu porta-voz, Downing Street negou, no entanto, que a retirada da proposta tenha como fundamento algum tipo de receio de derrota na Justiça, garantindo ser necessário “considerar todas as opções seguras e jurídicas para travar” as travessias “desnecessárias” no Canal da Mancha, “incluindo fazer os barcos voltarem para trás”.
Citado pela BBC, o porta-voz assegurou ainda que “todo o Governo está unido nos seus esforços” para “quebrar o modelo de negócio dos gangues criminosos que exploram as pessoas” que pretendem emigrar para o Reino Unido.
É precisamente nesse objectivo traçado pelo Executivo britânico que se enquadra uma outra proposta migratória altamente polémica, anunciada recentemente, e que pressupõe um acordo com o Ruanda, avaliado em 120 milhões de libras (cerca de 144 milhões de euros), segundo o qual a maioria dos migrantes “irregulares” que chegam ao Reino Unido através do Canal da Mancha são enviados para o país africano, com a possibilidade de apresentarem aí os seus pedidos de asilo.
Apresentando fundamentos éticos, jurídicos, económicos ou de exequibilidade, o plano já foi criticado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, por mais de 160 organizações de direitos humanos, por praticamente toda a oposição política britânica e até por alguns deputados do Partido Conservador, incluindo a antiga primeira-ministra Theresa May.