Portugal e Espanha com luz verde de Bruxelas para limitar preço do gás na produção de electricidade

Novo mecanismo de intervenção no mercado grossista vai conter a factura da electricidade para todos os consumidores, dizem os executivos ibéricos.

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MIGUEL MANSO

Os governos de Portugal e Espanha obtiveram, esta terça-feira, a luz verde da Comissão Europeia ao estabelecimento de um mecanismo extraordinário e temporário para proteger os consumidores da subida da factura da electricidade, através da fixação de um custo de referência médio de 50 euros por megawatt hora (MWh) para o gás natural utilizado para a produção de electricidade nas centrais a gás, carvão e cogerações.

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Os governos de Portugal e Espanha obtiveram, esta terça-feira, a luz verde da Comissão Europeia ao estabelecimento de um mecanismo extraordinário e temporário para proteger os consumidores da subida da factura da electricidade, através da fixação de um custo de referência médio de 50 euros por megawatt hora (MWh) para o gás natural utilizado para a produção de electricidade nas centrais a gás, carvão e cogerações.

“Depois de semanas intensas de trabalho, com avanços muito significativos, alcançámos um resultado muito satisfatório que se traduz num mecanismo para desassociar a formação do preço da electricidade na Península Ibérica do preço do gás”, anunciou o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, numa conferência de imprensa conjunta com a ministra da Transição Ecológica de Espanha, Teresa Ribera, após uma reunião com a vice-presidente executiva da Comissão, Margrethe Vestager.

“O acordo está pensado fundamentalmente para reforçar a protecção dos consumidores que estão com um nível de exposição mais alto à evolução do mercado grossista da electricidade”, completou a governante espanhola. Segundo Teresa Ribera, o mecanismo, que segundo anteviu poderá entrar em vigor já no início de Maio, depois de concluído o processo de notificação de Bruxelas e de aprovação em Conselho de Ministros, “reduz a exposição dos consumidores à turbulência e volatilidade do mercado de gás”.

“Em Espanha, cerca de 40% dos consumidores domésticos, e entre 70 a 80% do consumo industrial está vinculado ao preço do mercado grossista. Portanto, contar com um sistema que de forma congruente nos permite que o preço da electricidade não suba artificialmente em consequência do aumento do gás natural, fará com que todos estes consumidores beneficiem de uma diminuição das facturas”, referiu a ministra.

Como o PÚBLICO antecipou, no final de Março, Portugal e Espanha submeteram à apreciação de Bruxelas uma proposta conjunta para o estabelecimento de um valor de referência para o preço do gás utilizado na produção de electricidade, na sequência do acordo político alcançado numa reunião do Conselho Europeu, onde os restantes parceiros reconheceram a existência de uma “excepção ibérica” que justifica um tratamento diferenciado para os dois países.

“Este é o acordo concreto e o desenvolvimento operacional que permite materializar os dois parágrafos de conclusões políticas do Conselho Europeu”, apontou Teresa Ribera. Nesse documento, os 27 assinalavam a especificidade da “ilha energética” constituída por Portugal e Espanha, onde o nível de incorporação das energias renováveis na produção de electricidade é muito elevado e as interconexões com o restante mercado europeu são particularmente reduzidas.

Nas negociações com a Comissão, os dois países conseguiram argumentar que o mecanismo de correcção da distorção da formação do preço no mercado ibérico, onde os custos de produção de electricidade são mais baixos do que no resto da UE, não põe em causa as regras da concorrência nem o funcionamento do mercado europeu — uma vez que este não está verdadeiramente integrado. Como lembrou Teresa Ribera, a meta de aumentar para 10% as interconexões entre a Península Ibérica e o resto do continente até 2020 (e 15% até 2030) está longe de ser cumprida: “Hoje estamos nos 2,8%”, lamentou.

Por isso, nos contactos com Bruxelas, Lisboa e Madrid insistiram na necessidade de resolver o problema do baixo nível de interconexões, “que é a principal restrição dos consumidores espanhóis e portugueses para poder desfrutar das vantagens do mercado europeu da electricidade”, apontou a ministra da Transição Ecológica de Espanha.

As questões ligadas ao funcionamento do mercado europeu da energia e à segurança do abastecimento voltarão a estar em cima da mesa dos 27 chefes de Estado e governo da UE numa reunião extraordinária do Conselho Europeu convocada para 30 e 31 de Maio. Segundo antecipou Duarte Cordeiro, os parceiros ibéricos deverão comparecer mais uma vez com uma posição concertada.

Segundo revelou o ministro do Ambiente, “foi dito na reunião [desta terça-feira] por parte de Portugal e de Espanha a necessidade de a Comissão Europeia repensar [o actual modelo] da formação do preço”. Duarte Cordeiro mostrou-se satisfeito com a aprovação do mecanismo temporário para a Península Ibérica, mas não deixou de assinalar que “ficou evidente que existe aqui uma lacuna e uma falha, que ou se corrige na formação do preço ou se corrige no reforço das interconexões”, disse.

Depois de quase um mês de trabalho técnico, o encontro político de alto nível desta terça-feira serviu para resolver os três pontos mais sensíveis: a questão do preço de referência; a duração deste instrumento excepcional e a questão da interligação com França.

A proposta inicial avançada pelos dois países previa um custo máximo de 30 euros por megawatt hora, mas após as negociações com a Comissão, o valor médio que ficou definido foi de 50 euros. No início da aplicação do mecanismo, será praticado um preço de 40 euros por MWh — o valor é menos de metade da actual cotação do gás natural, que ronda os 90 euros.

“Se durante os próximos doze meses o preço do gás natural continuar muito alto, o ganho médio durante esse período vai ser muito significativo”, garantiu o ministro do Ambiente, sem querer avançar estimativas quanto à poupança possível em termos de custos eléctricos (embora o Governo já tenha mencionado antes uma poupança superior a 600 milhões). A ideia dos dois países é que a medida esteja em vigor por um prazo de doze meses a contar da entrada em vigor.

O mecanismo prevê que os produtores com custos variáveis acima dos 50 euros por MWh possam ser compensados do diferencial entre esse preço de referência e o valor fixado em mercado para o dia seguinte. “Nenhum consumidor será prejudicado. E serão os consumidores que saem beneficiados que vão suportar o custo deste mecanismo”, acrescentou Duarte Cordeiro.

No que diz respeito à relação comercial com a França, a Comissão quis garantir que haverá “flexibilidade” para que a aplicação do mecanismo ibérico não introduza limitações adicionais na fronteira. “Esse era um dos temas sensíveis, mas obviamente o consumidor francês pagará o mesmo que o consumidor ibérico com este ajustamento”, prometeu a ministra Teresa Ribera.

A confirmar-se a sua aprovação, os preços da electricidade no mercado grossista virão para níveis entre os 120 e 140 euros por MWh (sempre que forem as centrais a gás a marcar o preço), um valor abaixo do preço médio desde o início do ano, na casa dos 220 euros.

Contudo, este preço só será possível com a criação de um diferencial entre o tecto máximo dos 40 euros por MWh, ou 50 euros por MWh, e a cotação do gás natural que vai flutuando livremente em mercado e que tem sido particularmente afectada pela guerra contra a Ucrânia.

Segundo a proposta ibérica a que o PÚBLICO teve acesso no final de Março, os executivos de Portugal e Espanha assumem que o diferencial será suportado pela procura, ou seja, pelas entidades (como os comercializadores) que recorrem ao mercado grossista para abastecer as suas carteiras de clientes no mercado retalhista.

O argumento defendido pelos parceiros ibéricos é que, apesar de se adicionar este custo à procura eléctrica, “o preço final será comparativamente mais baixo do que os preços marginais anteriores à aplicação do mecanismo de ajustamento”.

Portugueses podem “pagar mais"

A aprovação desta ferramenta ibérica de intervenção nos preços não é isenta de polémica. O presidente da Endesa Portugal reconheceu no fim-de-semana, em entrevista à TSF e ao Dinheiro Vivo, que a medida traz mais benefícios aos consumidores espanhóis do que aos portugueses e que em Portugal até pode ter “consequências negativas”, como muitos consumidores com tarifas reguladas a um ano ou empresas com contratos de mais longo prazo acabarem a financiar uma medida que não lhes é útil.

E numa carta enviada à Comissão Europeia, na semana passada, os presidentes das companhias eléctricas que integram o operador ibérico e actuam no mercado grossista, incluindo a EDP, também advertiram que os consumidores portugueses podem eventualmente vir a “pagar mais”.

No documento citado pelo site Observador, os gestores da EDP, Iberdrola e Endesa destacam que o mecanismo vai beneficiar os consumidores espanhóis que têm tarifas reguladas indexadas à evolução dos preços diários e os industriais que têm contratos indexados às cotações ou que compram directamente no mercado diário (e que representam apenas 25% do consumo).

No entanto, no caso de Portugal, a maioria dos consumidores tem contratos com preços fixos e não só não irá beneficiar do mecanismo ibérico, como pode ver a sua factura agravar-se, dizem os presidentes das eléctricas ibéricas.