Áreas protegidas em Portugal só no papel
As áreas protegidas não podem continuar esquecidas. É preciso tornar Portugal um lugar mais selvagem, com vida. Onde ursos comem medronhos, onde lobos caçam cavalos selvagens entre sobreiros, onde abutres voam alto, onde peixes migram nos rios, onde insectos enchem os campos.
Portugal, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, entre o quente interior da Península Ibérica e a fresca costa Atlântica. Podia ser um dos locais naturais mais incríveis, maravilhosos e impressionantes da Europa. Casa da única palmeira do velho continente, de camaleões, de abutres, de salmões e lobos, de sobreiros, alfarrobeiras e faias. Um local com uma combinação única de plantas, animais e climas.
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Portugal, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, entre o quente interior da Península Ibérica e a fresca costa Atlântica. Podia ser um dos locais naturais mais incríveis, maravilhosos e impressionantes da Europa. Casa da única palmeira do velho continente, de camaleões, de abutres, de salmões e lobos, de sobreiros, alfarrobeiras e faias. Um local com uma combinação única de plantas, animais e climas.
Mas hoje Portugal não é assim. É uma terra onde a abundância de animais deu lugar a escassez ou extinção, onde as diversas florestas nativas foram substituídas por monótonas manchas de plantas exóticas ou encostas despidas, onde os ecossistemas estão incompletos, simplificados e degradados.
As áreas protegidas, casa e refúgio da vida selvagem apenas existem no papel. Uma viagem de Norte a Sul do país e ilhas mostra uma realidade triste. Na Peneda-Gerês, único Parque Nacional e mais antiga área protegida do país, o turismo de massas, incêndios e infra-estruturas cercam o parque; na Serra da Estrela, florestas antigas que albergavam várias espécies de animais deram lugar a uma paisagem lunar, domada por fogo, enxadas e pastores, cortada por infra-estruturas. Na Costa Vicentina, uma das zonas mais ricas em espécies de plantas da Europa é ameaçada pelos parques de estufas e caravanas. Nas ilhas, a Floresta Relíquia Laurissilva, única da Macaronésia, está reduzida a uma pequena fracção da sua cobertura original.
Todas as áreas classificadas do país enfrentam ameaças: interesses florestais e agrícolas ocupam terras à natureza, barragens, parques eólicos e solar sem ordenamento destroem e simplificam habitats, incêndios regulares destroem ecossistemas e reiniciam o ciclo florestal, espécies invasoras de animais e plantas competem por recursos com a fauna e flora nativa, minas abrem crateras ermas onde antes havia vida. Situações tão graves e evidentes que levaram o tribunal europeu a condenar o estado português por não proteger habitats e espécies ameaçadas.
As placas de caça são mais comuns do que vida selvagem ou placas informativas. Todo o território é, por defeito, zona de caça, menos zonas urbanas e algumas áreas agrícolas, rectângulos às riscas brancas e vermelhas e losangos vermelhos com círculo branco pintam a paisagem. “Turismo de natureza” é tão básico que envolve, na sua maioria, passadiços, baloiços ou ralis em estradas de terra batida. Educação ambiental é uma miragem, as nossas crianças e jovens não aprendem na escola o nome das árvores da nossa floresta ou o nome dos animais que fazem parte dos nossos ecossistemas. Quem não conhece não protege.
Estratégia e visão a longo prazo são inexistentes, é necessário desfazer o mito que a agricultura é a guardiã da biodiversidade. Que a caça é necessária para conservar a natureza. Ecossistemas completos regulam-se, sustentam e evoluem sem a necessidade da mão humana. São precisas zonas core só para a vida selvagem; com corredores entre elas, grandes e pequenos, com paisagens e rios livres e com cadeias tróficas completas, desde a pequena joaninha, passando pelo belo lince até ao grande cavalo selvagem.
Ontem já era tarde para resolver estes problemas. Tomar medidas que continuam a atrasar e a degradar as áreas protegidas não é solução. A congestão de áreas protegidas é um erro. Incluir mais funções aos vigilantes da natureza, como fiscalizar animais de companhia, é outro. As paisagens estão tão estéreis, humanizadas e simplificadas que até pequenos seres vivos, como insectos, estão hoje ameaçados.
A consciência para o estado das nossas áreas naturais é quase nula e é reforçada pelo desinteresse da classe política, pela ignorância da comunicação social e pelo esquecimento da sociedade civil. O abandono agrícola de terras marginais é a primeira oportunidade em séculos para criar mais áreas selvagens, de devolver espaço à natureza. Contudo, é visto como um problema e não como uma solução.
As áreas protegidas não podem continuar esquecidas. É preciso tornar Portugal um lugar mais selvagem, com vida. Onde ursos comem medronhos, onde lobos caçam cavalos selvagens entre sobreiros, onde abutres voam alto, onde peixes migram nos rios, onde insectos enchem os campos.