Nuno Grande sobre a Casa do Conto, a Tipografia do Conto e um novo “conto” que está a nascer no Porto
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No 36.º episódio do podcast No País dos Arquitectos, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto Nuno Grande, do atelier Pedra Líquida, sobre a Casa do Conto e a Tipografia do Conto.
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No 36.º episódio do podcast No País dos Arquitectos, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto Nuno Grande, do atelier Pedra Líquida, sobre a Casa do Conto e a Tipografia do Conto.
Com o ímpeto de trazer para o Porto um “espaço de hospitalidade”, o atelier Pedra Líquida criou a Casa do Conto, na zona da Cedofeita. Cem anos passados, sem tocar no essencial, o edifício parte da reconstrução de uma casa burguesa do século XIX. Porém, em Março de 2009, poucos dias antes da inauguração, dá-se um incêndio, que destrói completamente o seu interior: “Foi traumático porque o primeiro projecto era um projecto quase de restauro. O edifício estava em muito bom estado e, após o incêndio, ficamos apenas com as fachadas. Na verdade com a fachada principal. E tivemos de reinventar totalmente o interior”, recorda o arquitecto.
No novo projecto, Nuno Grande e Alexandra Coutinho decidiram que tinham de reconstruir a casa melhor do que antes para reescrever a sua história. Tal como a Fénix, a casa renasceu das cinzas e foi inaugurada, em Junho de 2011, como Arts & Residence, servindo de ponto cultural com exposições, concertos, palestras, sessões de cinema, entre outras actividades.
Actualmente, a Casa do Conto relata uma história de vida única, que é, aliás, a história da própria cidade, em permanente mudança. Neste novo projecto, os arquitectos evocaram a estrutura e a decoração da casa pré-existente, utilizando materiais e técnicas tradicionais. Nas paredes, foram introduzidos ripados de madeira que fazem “lembrar a construção em tabique tradicional do Porto” e usou-se também a chapa ondulada – “que normalmente está associada às fachadas traseiras dos edifícios do Porto industrial”. Ou seja, utilizaram-se “elementos históricos para moldar o betão contemporâneo da Casa do Conto”.
Para “homenagear o passado”, nos tectos de cada quarto, foram impressos “textos que falam sobre a casa e sobre a memória da casa”, que foi consumida pelas chamas. A partir de um trabalho interdisciplinar entre a Pedra Líquida e os designers R2, foram desenvolvidos seis contos para seis quartos. Um desses contos é do próprio Nuno Grande, que lembra a famosa citação do arquitecto Corbusier: “Une maison est une machine à habiter” (uma casa é uma máquina para habitar).
O arquitecto contrariou o pensamento de Corbusier e (re)escreveu: “La maison est un habitat a demecaniser”. “Ou seja: ‘A casa é um habitat a desmecanizar. (…) Eu acho que uma das missões da arquitectura contemporânea é desmecanizar esse processo em que, de repente, nos vemos todos enredados da habitação pré-condicionada pelo mercado acrítico e, por vezes, com pouca cultura arquitectónica”, corrobora. Os tectos em betão (apostos à cofragem) estão impressos com textos, em baixo-relevo, nos quais é possível ler diferentes passagens, excertos ou fragmentos de autores ligados a diversas áreas.
Esculpida pelas cicatrizes do tempo, esta casa mostra-nos como a história da arquitectura é também uma história de resiliência. Importa referir que o arquitecto Nuno Grande é proprietário da Casa do Conto, juntamente com a engenheira Alexandra Coutinho, tendo aqui realizado um conjunto de actividades enquanto empresários – coordenação de projecto, direcção de obra de reabilitação e gestão hoteleira: “A grande mentora deste processo é a Alexandra, minha sócia, que sempre gostou muito de estabelecer relações entre a arquitectura, a engenharia, a gestão e a hospitalidade. Esta ideia de criar um hotel era um sonho que ela tinha e que, em conjunto com outros sócios, realizámos neste primeiro projecto”, explica o arquitecto.
Tipografia do Conto
Já a Tipografia do Conto nasceu numa antiga oficina de artes gráficas e, mais uma vez, houve a necessidade de romper com a usual oferta hoteleira da cidade, cada vez mais genérica e impessoal: “Gosto muito desta ideia de estar em trânsito por cidades e descobrir cidades, através do espaço de um hotel. E aqui entra a questão exactamente: Que hospitalidade? Nós achamos que um hotel deve ser o mais próximo daquilo que nós gostamos de fazer na vida e dos lugares onde gostamos de ir. O hotel não deve estar separado da atracção que o resto da cidade exerce sobre nós. E é talvez, através do hotel – o primeiro sítio onde chegamos e pousamos as malas – que se deve dar a conhecer logo a vida, a cultura e o cosmopolitismo de uma cidade. Portanto, quisemos na Casa do Conto e na Tipografia do Conto imprimir essa história da cidade do Porto, tornando essa hospitalidade familiar, ou de proximidade. Fazendo as pessoas sentirem-se em casa”, clarifica.
Inaugurada em Março de 2019, betão, a par do ferro e da madeira; nas escadas, que têm guardas metálicas; e nos elementos decorativos dos tectos, formados por textos que aludem à ideia de impressão e edição tipográfica. Mais do que visual, a Tipografia assume um carácter táctil, onde a condição oficinal anterior se encontra ainda muito presente: “Há, realmente, a introdução de elementos em ferro electrozincado amarelo, que lembram as réguas tipográficas que existiam no edifício”, descreve.
Para além disso, existe o betão, que é o elemento base, e o conforto introduzido através de “azulejos, painéis de madeira e móveis vintage” que ajudam a contar a história do edifício. Foi aqui, curiosamente, que Nuno Grande imprimiu a sua tese de doutoramento e para “prestar homenagem às mulheres e homens que ajudaram a construir” a tese, colocou a capa desse trabalho de investigação num dos quartos do hotel.
Um novo conto
Como não há duas sem três, o colectivo Pedra Líquida adquiriu um terreno na ilha do Monte da Lapa e desafiou o arquitecto Siza Vieira a criar um novo espaço. Esse novo conto será construído numa ilha que fica no Monte da Lapa. Importa referir que o edifício circular que coroa o Monte da Lapa foi outrora um moinho com velas movidas a vento que deu guarida ao telégrafo da Lapa, importante veículo de comunicação dos liberais de D. Pedro IV, numa época em que o Porto esteve cercado pelas forças miguelistas: “Descobrimos uma ilha que tinha um moinho à venda (...) no Alto da Lapa, muito perto do Bairro da Bouça. Aliás, do Bairro da Bouça vê-se esse moinho, que fica no ponto alto. Esse lugar está repleto de histórias fundamentais para compreendermos não só a Lapa, mas a importância da Lapa nas lutas liberais, no Porto”, conta o arquitecto.
O Monte da Lapa foi uma passagem importante durante o Cerco do Porto e a Guerra Civil e é, precisamente, no coração da Invicta que a Pedra Líquida sonha conservar a identidade do lugar. O arquitecto Nuno Grande adianta que nesta intervenção está a haver conversão das ilhas: em espaços habitáveis, com melhores condições para os moradores; e a construção de uma pousada para turistas. Pensa-se ainda fazer espaços de residência para estudantes: “Parece-nos que é como sempre achamos que deve ser a cidade: multi-social, multigeracional e multicultural”.
Portanto, às “duas dimensões apreciadas no Porto histórico” (a casa e a indústria artesanal) somar-se-á uma terceira aventura do conto: a ilha colectiva, onde a estadia do turista estará integrada no mesmo contexto à dos habitantes para que ambos possam interagir e experienciar a cidade em conjunto.
É partindo desse trabalho multidisciplinar que o colectivo Pedra Líquida acredita na importância da memória para fazer arquitectura: “Eu acho que a continuidade histórica é talvez a grande lição que se pode aprender e transmitir às gerações futuras. A arquitectura nunca começa do zero. É impossível esta ideia de uma arquitectura que faz tábua rasa de tudo e que começa do zero. Aliás, penso que até o próprio Siza diz que, mesmo no deserto, nunca se começa do zero. Existe toda a bagagem intelectual, toda a memória pessoal que um arquitecto transporta... que depende de si e que tem a ver com as suas vivências em relação às gerações anteriores, experiências de vida, o ter habitado outros lugares... Isso é transportado para o projecto do presente. Não há projectos sem memória”, salienta o arquitecto Nuno Grande.
No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.
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