Época 2021-22, uma mancha negra na história da Académica

Clube viu confirmada uma queda inédita para o terceiro escalão do futebol português. Foi o corolário de uma caminhada com quatro treinadores, um plantel desequilibrado e salários em atraso.

Foto
DR

Esta está a ser uma semana traumatizante para a Académica. Na segunda-feira, recebeu a notícia da morte súbita de Kalindi, lateral esquerdo brasileiro que havia contratado no início do ano mas que nunca chegou a ser utilizado. Neste sábado, sofreu outro golpe duríssimo, com a confirmação da descida aos escalões amadores. É o culminar de uma temporada desastrosa e uma despromoção inédita numa história competitiva que começou em 1922.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Esta está a ser uma semana traumatizante para a Académica. Na segunda-feira, recebeu a notícia da morte súbita de Kalindi, lateral esquerdo brasileiro que havia contratado no início do ano mas que nunca chegou a ser utilizado. Neste sábado, sofreu outro golpe duríssimo, com a confirmação da descida aos escalões amadores. É o culminar de uma temporada desastrosa e uma despromoção inédita numa história competitiva que começou em 1922.

Os números são esclarecedores: três vitórias em 30 jogos, uma longa série de seis derrotas entre as jornadas 6 e 11, 55 golos sofridos, de longe a pior defesa da prova, 32 jogadores utilizados e quatro treinadores. Isso mesmo: quatro treinadores na mesma temporada, um claro sinal da instabilidade que foi tomando conta do projecto desportivo nos últimos meses.

O empate deste sábado (0-0), com o Penafiel, na 30.ª jornada da II Liga, foi apenas o embate inevitável no fundo do poço, resultado de uma queda que começara há quase um ano. Depois de uma época em que, mesmo com dificuldades, a Académica conseguiu intrometer-se na luta pela subida à I Liga, tendo terminado na quarta posição, desta feita o objectivo passou, desde cedo, a ser bem mais modesto.

A temporada arrancou com Rui Borges como treinador, mas o técnico que chegara a Coimbra em 2020 só fez seis jogos na Liga, com um balanço de quatro derrotas e dois empates. A direcção do clube, liderada por Pedro Roxo, foi lesta a actuar, dando início a um festival de trocas e afastamentos que acabou por não produzir resultados em campo.

João Carlos Pereira foi o senhor que se seguiu. Antigo jogador da Académica e já com duas passagens pelo comando técnico (2003-04 e 2019-20), não resistiu ao apelo de salvação e aceitou o repto, mas a passagem pelo Estádio Cidade de Coimbra foi ainda mais efémera do que a do antecessor – cinco jogos, cinco derrotas. Resultado? Porta de saída.

“Apesar do compromisso e empenho do grupo de trabalho, por diversas circunstâncias que não importa especificar, tomei a decisão de deixar o cargo de treinador do clube”, anunciou a 21 de Novembro, depois de um desaire diante do FC Porto B (1-2). Nessa altura, a Académica somava dois pontos e ocupava já o último lugar de forma destacada.

Pedro Roxo e “as expectativas"

A receita que não resultara até então foi repetida por Pedro Roxo. Ele que, no dia 3 desse mês, tinha feito uma das pouquíssimas declarações públicas sobre o momento do clube ao longo do trajecto em 2021-22. Entre um apelo à união e à crença colectiva no projecto, deixou um desabafo: “Dentro das limitações que temos enquanto instituição, com muito menos recursos que os nossos adversários, sempre procurei formar equipas competitivas e que nos deixassem orgulhosos, e penso que tenho conseguido. Assumo pessoalmente que este ano possa ter falhado nas expectativas criadas aos sócios”.

Como em tantos outros projectos minados pelo fracasso em campo, a actual direcção da Académica tem sido alvo de fortes críticas e a estratégia de tentar sacudir o grupo de trabalho a partir do banco foi levantando cada vez mais dúvidas. A 25 de Novembro, Pedro Duarte foi anunciado como o novo treinador da equipa conimbricense e o legado foi o mais positivo da actual caminhada, com três triunfos, três empates e sete derrotas. Insuficiente, ainda assim, para evitar uma nova chicotada.

Para o derradeiro capítulo da temporada, Pedro Roxo contratou José Gomes, que estava livre depois de ter iniciado a época ao leme do Ac. Viseu. O técnico vila-condense cumpriu neste sábado o sexto jogo, com o balanço pouco recomendável de dois empates e quatro derrotas, confirmando matematicamente o pior momento da vida desportiva de um clube fundado em 1887.

Quando instado a fazer um diagnóstico da temporada, no dia em que anunciou o dia 15 de Maio como a data das eleições da Académica, o presidente da Mesa da Assembleia Geral foi incapaz de identificar as bases do insucesso: “Com toda a franqueza, pessoalmente não encontro explicação. Pensava que nesta época, depois da última em que estivemos a lutar até ao fim [pela subida à I Liga], seria possível, exactamente ao contrário do que aconteceu, a Académica estar a disputar eventualmente a subida”, confessou Maló de Abreu, na passada semana.

Salários, covid e mexidas em Janeiro

Foi no outro extremo da tabela classificativa que os conimbricenses viveram durante toda a temporada, entre a agitação da ausência de resultados positivos, a dança dos treinadores e o atraso no pagamento de salários. Uma situação de incumprimento atestada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), que em Dezembro confirmou que a Académica (entre outros emblemas) falhou a prova de inexistência de dívidas. Situação que, formalmente, só viria a ficar sanada no passado dia 4 de Abril.

Mas as dificuldades financeiras não foram o único contratempo vivido em Coimbra. Na ânsia de recuperar na segunda metade da temporada o que tinha perdido na primeira, a direcção do clube assegurou cinco contratações no mercado de Inverno: Jorge Felippe, Agustin Ale, Luís Aurélio, Kalindi e João Diogo. E quando a equipa parecia querer dar sinais de vir à tona, com um triunfo sobre o Leixões, um surto de covid-19 voltou a puxá-la para baixo.

Nesse período, no início de Fevereiro, a Académica chegou a treinar-se apenas com 14 ou 15 jogadores, tendo sido forçada a recorrer (ainda mais) aos Sub23 – uma solução para remendar as lacunas do plantel e para fazer face ao atraso na inscrição dos reforços assegurados em Janeiro. Sem conseguir capitalizar as duas vitórias (a outra foi sobre o Estrela da Amadora) em três jogos, que então alcançou, entrou novamente numa espiral negativa que culmina agora com a maior das desilusões.

Curiosa e paradoxalmente, a pior equipa na classificação da II Liga conta com o melhor marcador da prova. O brasileiro João Carlos, autor de 16 golos, é responsável por nada menos do que 50% dos golos da Académica, tendo inclusivamente sido eleito como o melhor avançado do campeonato no mês passado. Um parco consolo. Uma modesta pincelada de cor no quadro mais negro do palmarés do clube. com Augusto Bernardino