Nem todos conseguimos conter a dor da mesma maneira
A dor psicológica deve ser encarada como um assunto sério. A vida encarrega-se de nos ensinar, mais frequentemente do que desejaríamos e admitiríamos, a quantidade de vezes que o sofrimento psicológico de uma imensa minoria nos é invisível.
“Ninguém se encontra a si próprio tão intensamente como quando sofre”, diria Gonçalo M. Tavares. Um efeito colateral positivo da dor é o seu potencial de aprendizagem. Ora queremos fintá-la e fazer de conta que é pequenina, ora a ela sucumbimos, quando o coração não sabe como parar de sofrer. Por vezes longe do barulho das luzes, noutras sem conseguir esconder. A dor, mais ou menos intensa, menos ou mais prolongada no tempo, é universal. Todos nós a conhecemos.
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“Ninguém se encontra a si próprio tão intensamente como quando sofre”, diria Gonçalo M. Tavares. Um efeito colateral positivo da dor é o seu potencial de aprendizagem. Ora queremos fintá-la e fazer de conta que é pequenina, ora a ela sucumbimos, quando o coração não sabe como parar de sofrer. Por vezes longe do barulho das luzes, noutras sem conseguir esconder. A dor, mais ou menos intensa, menos ou mais prolongada no tempo, é universal. Todos nós a conhecemos.
É possível medir o sofrimento humano? Há alguma escala que o possa objectivamente avaliar? Poderá alguém, além do próprio, estar habilitado a fazê-lo? Estará cada um de nós consciente e capaz de o fazer em relação a si mesmo em todo e qualquer momento e/ou circunstância de vida? Não são perguntas fáceis de responder.
No que ao sofrimento psicológico diz respeito, não temos exactamente uma escala de Mohs (escala que quantifica a dureza dos materiais) que nos permita dizer se é um sofrimento-talco ou um sofrimento-diamante, embora seja possível avaliar variáveis com impacto no mesmo. Deverá toda a nossa ajuda estar concentrada apenas no sofrimento-diamante? É o sofrimento-talco uma dor menor a desprezar?
Portugal é o segundo país da Europa com maior prevalência de pessoas com doença mental. Cerca de dois em cada cinco portugueses sofrem ou poderão desenvolver uma perturbação mental. Os casos de ansiedade e depressão na infância e adolescência terão duplicado durante a pandemia. No entanto, é difícil perceber quanto desta percentagem se deve somente a um aumento do número de casos, ou se é agora uma realidade menos escondida, da qual estamos mais conscientes. A pandemia pôs-nos a falar mais sobre saúde mental e, ao reduzir o estigma a ela associada, legitimou a sua partilha com o outro, reduzindo a solidão dos que a carregam dentro de si.
Sabemos que a ansiedade e a depressão têm uma prevalência muito elevada nos cuidados de saúde primários, sendo muitos dos casos situações crónicas, com perda de qualidade de vida e custos económicos avultados.
O que poderá ser feito para aliviar a dor mental? A intervenção psicológica funciona? A evidência científica tem provado que sim. Um estudo de metaanálise (47 estudos) de Wakefield e seus colegas acerca de um programa (Improving Access to Psychological Therapies – IAPT) disseminado no Reino Unido e descrito num editorial do jornal Nature como “world-beating”, evidenciou uma eficácia elevada no tratamento da ansiedade e depressão, assim como um efeito moderado no ajustamento laboral e social. Layard e Clark referem taxas de recuperação na ordem dos 50%, com 2/3 a apresentarem melhorias significativas. Reduz ainda para metade as recaídas, sendo neste aspecto mais eficaz que a medicação e é também o tratamento que os clientes preferem.
Um aspecto particularmente interessante de uma investigação conduzida por Roger Muñoz-Navarro e seus colegas em Espanha, indica que esta mesma intervenção tem um impacto positivo semelhante, independentemente da idade, género ou nível de escolaridade. Quando era implementada antes da prescrição de antidepressivos e enquanto as pessoas se mantinham activas nos seus locais de trabalho (sem baixas por doença), aumentava a sua probabilidade de sucesso.
Em Portugal, só nos primeiros nove meses de 2021 foram vendidas 28.000 embalagens de antidepressivos por dia e no total 15,7 milhões de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos, com um custo de 46 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde. Acresce que temos ainda um número residual de psicólogos nos cuidados de saúde primários (cerca de 300 em todo o continente), sendo necessários, pelo menos, o dobro. As listas de espera são gigantes, em especial para uma segunda consulta. Significa isto uma disparidade gritante promotora de desigualdade social: quem tem dinheiro para pagar consultas de psicologia no privado fá-lo, quem não tem, bem pode esperar e desesperar para que esse serviço no público seja assegurado!
O que os resultados da investigação aqui citada nos mostram é que vale a pena apostar no sofrimento-talco. Em primeiro lugar porque a dor psicológica deve ser encarada como um assunto sério. A vida encarrega-se de nos ensinar, mais frequentemente do que desejaríamos e admitiríamos, a quantidade de vezes que o sofrimento psicológico de uma imensa minoria nos é invisível.
Em segundo lugar para conseguirmos actuar numa fase inicial e evitar que chegue a sofrimento-diamante. Nem que seja pensar de um ponto de vista egoísta, todos conhecemos alguém com problemas de saúde mental e, directa ou indirectamente, também sofremos na pele as consequências disso.
Recordemos que não há saúde, sem saúde mental! E que nem todos conseguimos conter a dor da mesma maneira. E se não conseguimos ver isso, dificilmente compreendemos o outro e conseguimos ajudá-lo.