Adriana Floret sobre o projecto Mira no Porto. “A ideia foi manter o espírito dos armazéns”

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O podcast No País dos Arquitectos está de regresso com uma terceira temporada. No 35.º episódio do podcast, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com a arquitecta Adriana Floret sobre o Espaço Mira e o Mira Fórum e a forma como o Porto se foi reinventando ao longo do tempo com o mercado da reabilitação.

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O podcast No País dos Arquitectos está de regresso com uma terceira temporada. No 35.º episódio do podcast, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com a arquitecta Adriana Floret sobre o Espaço Mira e o Mira Fórum e a forma como o Porto se foi reinventando ao longo do tempo com o mercado da reabilitação.

Não é por acaso que contar a história da arquitecta é contar um pouco a transformação que o centro histórico do Porto conheceu nos últimos 20 anos.

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Em 2001, Adriana Floret fundou o gabinete Floret Arquitectura e fez os primeiros levantamentos patrimoniais para a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) do Porto. A arquitecta lembra-se de haver quarteirões inteiros, como na Rua do Almada, em que existiam apenas dois habitantes. E recorda também um telefonema que fez a um proprietário de dois prédios na Rua de Mouzinho da Silveira para fazer um levantamento e a voz do outro lado da linha lhe começar a negar que ali tivesse alguma propriedade, tal era o esquecimento e a desvalorização de um património que hoje em dia vale milhões: “Nós passámos por situações que, às vezes, as pessoas pensam que não é real, mas é a verdade. Quando ligávamos, por vezes, as pessoas diziam: ‘Eu ofereço o prédio porque isto só me dá prejuízo. Não quero nada disto’. E agora temos uma realidade completamente diferente, onde ruas como estas são das mais cobiçadas pelos investidores”.

E se os tempos mudam, as tendências de mercado mudam também. Nos últimos anos, o crescente interesse pela Baixa do Porto determinou o aumento de projectos de reabilitação e uma subida acentuada dos preços. Adriana Floret identifica diferentes investidores: “Começámos com algumas pessoas que tinham alguns prédios na Baixa que começaram a reabilitar por causa das SRU. Depois existiam casais, o pequeno investidor português e o investimento estrangeiro. Houve, aliás, muito investimento estrangeiro, (...) mas também já começa a haver o regresso do investidor português que acredita no mercado outra vez e está a apostar no mercado residencial”, analisa. Segundo a arquitecta, o contexto da pandemia deu início a um novo capítulo, em que se assiste a “uma redução grande na área da reabilitação”, com um investimento forte na construção de raiz fora dos grandes centros.

Campanhã

Num segundo momento desta entrevista, também a conversa muda o seu “centro”. Não se quis tanto perceber as tendências de mercado, mas sim a vida que o Porto alberga numa zona que durante longos anos foi vista como marginal e periférica: Campanhã. Apesar de ser uma das freguesias mais populosas, esta zona Oriental do Porto sofreu, durante muito tempo, o estigma da pobreza e da exclusão. Esse cenário começou a dar mostras de mudança quando, em 2012, Adriana Floret foi contactada por um promotor português que lhe disse: “Comprei 11 armazéns, em Campanhã, e não sei o que vou fazer com eles, mas gostei tanto que comprei”.

O atelier Floret começou por fazer um estudo prévio e mostrou o verdadeiro potencial de cada armazém ao promotor. Mais tarde, a arquitecta Adriana Floret esteve com Manuela Matos Monteiro e percebeu que a fotógrafa não temia andar em contraciclo e queria, em conjunto com João Lafuente, criar um projecto nesse espaço adormecido. Foi assim que, em 2013, o casal de fotógrafos adquiriu quatro dos 11 armazéns e fundou o Espaço Mira e o Mira Fórum. Reabilitados de forma a albergar, respectivamente, uma galeria de arte e um espaço multifunções, estes dois edifícios situam-se na estreita Rua de Miraflor.

O Espaço Mira é uma galeria para exposições de fotografia, equipado com um pequeno volume flexível para reuniões e outros workshops: “Tentamos criar um espaço, com uma porta que tem uma corrediça. Desse modo, pode-se abrir ou fechar o espaço para o pôr maior ou menor. Portanto, criou-se essa polivalência na sala”, descreve. Foram feitos também dois quartos para as eventuais residências artísticas, que são uma componente importante na intervenção.

Já o Mira Fórum é um lugar “mais informal”, capaz de albergar exposições, apresentações e lançamentos de livros, conferências, debates e tertúlias, percursos e serões fotográficos, concertos, peças de teatro e espectáculos de dança.

Em suma, neste projecto Mira manteve-se a materialidade da pedra, a estrutura do telhado em madeira, assim como as portas de madeira, reaproveitadas no alçado posterior e nos espaços interiores: “As portas eram fantásticas, mas estavam em muito mau estado. Nós resolvemos aproveitar as portas no interior para fazer as divisórias que queríamos. Portanto a ideia era manter um pouco aquilo que estava no armazém, assim como memória do próprio espaço”, descreve.

O aparecimento deste espaço cultural contagiou outras vontades e os armazéns seguintes foram sendo ocupados, na sua maioria, por pessoas ligadas às artes. Aconteceu outra coisa: as pessoas passaram a ver Campanhã como um lugar onde é possível criar futuro: “Entretanto, o terceiro armazém acabou por estar também ligado às exposições e outras actividades mais efémeras (...). E o quarto... é engraçado porque estamos a fazer a casa deles. A Manuela Matos Monteiro e o João Lafuente vão morar para lá”, diz Adriana Floret.

Hoje a arquitecta relata cada um destes episódios com entusiasmo e o facto do projecto Mira (Espaço Mira, Mira Fórum e Mira | Artes Performativas) ter nascido num dos locais mais improváveis da cidade só mostra como o Porto traz surpresas no virar de cada esquina: “No fundo, estamos a demonstrar que a versatilidade que imaginámos para aquele espaço existe de facto”. Com o objectivo de trabalhar com a memória que a cidade abriga, Adriana Floret quis recuperar o lugar, respeitando o seu traço e materiais de origem: “A ideia foi manter o espírito dos armazéns, manter os materiais e preservar um pouco aquilo que lá estava. Os nossos projectos são todos um pouco assim. Nós tentamos sempre que a nossa presença seja o menos notada possível e ali não foi diferente”, sintetiza.

Perante este trabalho, que assume características peculiares por se tratar de uma tipologia diferente, Adriana Floret constata que, por vezes, os arquitectos têm “tendência a criar espaços muito estanques” e esta intervenção mostrou ser um desafio por lhe permitir criar algo que fosse “muita coisa ao mesmo tempo”. Hoje o projecto Mira espalha-se por vários espaços, criando em Campanhã uma verdadeira comunidade cultural.


No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.

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