Mais 250 milhões de pessoas em pobreza extrema até ao final do ano. “A mais profunda queda da humanidade na pobreza de que há memória”

É necessário adiar o pagamento das dívidas dos países mais afectados para poderem atender às suas populações, avisa a Oxfam.

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Campo de deslocados internos nos arredores de Sanaa, no Iémen YAHYA ARHAB / EPA

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A subida dos preços da alimentação e da energia, causada pela invasão russa da Ucrânia, pode atirar mais 250 milhões de pessoas para a pobreza extrema em todo o mundo até ao fim do ano, alerta a organização humanitária Oxfam. São necessárias “acções radicais” para evitar esse cenário, diz a entidade.

Os efeitos económicos provocados pela guerra na Ucrânia associam-se ao impacto deixado pela pandemia. O Banco Mundial já tinha calculado que cerca de 198 milhões de pessoas poderiam descer ao patamar de pobreza extrema (vivendo, em média, com menos de 1,75 euros por dia) apenas devido à pandemia. Mas a Oxfam estima que esse risco se estenda a mais 65 milhões por causa das consequências da invasão.

A organização não governamental também prevê que mais 28 milhões de pessoas fiquem subnutridas até ao fim do ano. Entre as zonas do globo onde a probabilidade de haver fome em massa é mais elevada, destacam-se o Leste de África, a região do Sahel, o Iémen e a Síria. Ao todo, o ano de 2022 pode acabar com uma população de 860 milhões de pessoas, quase 11% da população mundial, em pobreza extrema.

A factura da subida global dos preços da alimentação é mais pesada nos países mais pobres. Em média, os custos com comida em países riscos rondam os 17% dos gastos de consumo, enquanto na África Subsariana, por exemplo, esse valor ascende para 40%, diz a Oxfam.

“Sem acções radicais imediatas, podemos estar a assistir à mais profunda queda da humanidade na pobreza extrema e no sofrimento de que há memória”, disse a directora executiva da Oxfam, Gabriela Bucher, através de um comunicado. “Esta perspectiva aterradora torna-se mais revoltante pelo facto de biliões de dólares terem sido capturados por um pequeno grupo de homens poderosos que não têm qualquer interesse em interromper esta trajectória”, afirma a mesma responsável.

Vários governos estão numa situação próxima do incumprimento por causa da dívida externa e, por isso, têm sido forçados a cortar subsídios sociais e despesa pública para poder evitar esse cenário.

Ainda esta semana, o Fundo Monetário Internacional reconheceu esse risco. “A guerra na Ucrânia está a juntar riscos aos níveis inéditos de endividamento público, enquanto a pandemia continua a sugar muitos orçamentos governamentais”, observam o director do departamento de Assuntos Fiscais do fundo, Vítor Gaspar, e a directora de estratégia, Ceyla Pazarbasioglu, numa publicação recente. Os dois dirigentes propõem “uma abordagem cooperativa global que possa alcançar uma resolução ordeira dos problemas da dívida e prevenir incumprimentos desnecessários”.

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Caracas, Venezuela, em 2019 Eva Marie Uzcategui/Getty Images

Uma das medidas propostas pela Oxfam, que publicou o relatório antes dos encontros de Primavera do Banco Mundial e do FMI, consiste no cancelamento dos pagamentos de dívida externa dos países mais afectados. A organização acredita que poderiam ser libertados cerca de 30 mil milhões de dólares (27 mil milhões de euros) se esses países pudessem adiar os pagamentos.

A Oxfam também propõe uma subida dos impostos para os mais ricos e para as empresas que têm visto os seus lucros subirem por causa da pandemia e da guerra. Também pediu aos países do G20 para que canalizem cerca de cem mil milhões de dólares (92 mil milhões de euros) que estão actualmente num fundo de austeridade para apoiar a população mais pobre através de subsídios ou cortes de impostos.

“Rejeitamos qualquer ideia de que os governos não têm dinheiro ou os meios necessários para retirar as pessoas da pobreza e da fome, e assegurar a sua saúde e bem-estar”, disse Bucher. “Apenas vemos a falta de imaginação económica e vontade política para o fazer”, acrescentou.

Objectivos insustentável

Se até à pandemia de covid-19, o mundo vinha assistindo à redução gradual da pobreza extrema - que era de 36% da população mundial em 1990, passou a 16% em 2015 e chegou a 10% em 2015 -, o coronavírus primeiro e a guerra na Ucrânia depois travaram esse processo evolutivo. A pobreza extrema voltou a crescer e se chegarmos ao final de 2022 com 860 milhões de pessoas nessa condição, estaremos precisamente com o dobro dos 430 milhões ou 3% da população mundial que as Nações Unidas tinham como objectivo a atingir em 2030.

A meta, estabelecida em 2013 pelo Banco Mundial, figura como o primeiro objectivo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, já aí reconhecido como “o maior desafio global que o mundo enfrenta hoje e uma exigência indispensável para o desenvolvimento sustentável”.

Em Outubro passado, já quando os números mostravam que a pandemia fizera aumentar a pobreza extrema no mundo, o secretário-geral da ONU chamava-lhe “a acusação moral dos nossos tempos” e falava que “a solidariedade estava desaparecida em combate - exactamente quando mais precisamos dela”.