Com o socialismo, as desigualdades aumentaram?

Luís Montenegro quis posicionar-se na corrida à liderança do PSD com palavras fortes contra o PS, acusando-o de tornar o país mais desigual e mais pobre

Foto
Luís Montenegro apresentou esta semana a candidatura a líder do PSD LUSA/MIGUEL A. LOPES

Frase

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Frase

“Com o socialismo, as desigualdades aumentaram e a taxa de risco de pobreza antes de prestações sociais foi em 2019 de 43%, quando em 1995 era de 37%.”

Luís Montenegro

O contexto

A declaração foi proferida esta quarta-feira na apresentação de candidatura de Luís Montenegro a líder de PSD, na sede nacional daquele partido, no centro de Lisboa.

Os factos

O coeficiente de Gini é o indicador mais usado para calcular a desigualdade. Mede as diferenças de rendimentos entre todos os grupos populacionais. A escala vai do zero, quando todos os indivíduos têm igual rendimento, ao 100, quando o rendimento está concentrado num único indivíduo. Em 1995 situava-se nos 36 e em 2019 nos 31, o valor mais baixo dos anos em análise. Com a pandemia, logo em 2020, subiu para 33.

Este indicador é sensível às assimetrias na parte central da distribuição. Olhando para o modo como tem evoluído, verificamos que sofreu um pico de 38,1 pontos em 2004, ano de transição José Manuel Durão Barroso/Pedro Santana Lopes, e, a partir daí, com José Sócrates, desceu até aos 34,2 em 2010, quando estourou a crise da dívida. Durante esse período, no qual a liderança passou para as mãos de Pedro Passos Coelho, manteve-se nessa casa: 34,5 em 2011, 32,2 em 2012, 34,5 em 2013, 34,0 em 2014. Em 2015, ano em que António Costa assumiu o cargo de primeiro-ministro, iniciou uma nova tendência de descida.

Um outro modo comum de avaliar a desigualdade de um país é através da distância entre o rendimento médio dos indivíduos na base da escala de rendimento e os do topo dessa escala. A evolução destes indicadores revela a mesma tendência que a apurada através do coeficiente de Gini. Comparando o rendimento dos 20% mais ricos com o rendimento dos 20% mais pobres, por exemplo, a desigualdade na distribuição de rendimentos desce de 7,4 pontos em 1995 para 5 em 2019, voltando a subir em 2020 para 5,7.

Este indicador, que é mais sensível aos extremos, revela que nos anos da troika houve um agravamento. A desigualdade na distribuição de rendimentos entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres passou de 5,7 em 2010 para 5,8 em 2011, 6,0 em 2012, 6,2 em 2013. Depois entrou na tal tendência de quebra: 6,0 em 2014, 5,9 em 2015, 5,7 em 2016, 5,2 em 2017, 5,2 em 2019, 5,0 em 2019.

A desigualdade de rendimentos e a pobreza monetária estão relacionadas, mas não são iguais. Havendo uma quebra generalizada de rendimentos na população, a taxa de pobreza baixa. É que o limiar da pobreza é relativo, correspondendo a 60% do rendimento mediano por adulto equivalente. Todavia, numa avaliação global, as taxas de risco de pobreza podem ser consideradas indicadores indirectos de desigualdade. O risco de pobreza para as crianças, por exemplo, é entendido como um indício da desigualdade de oportunidades.

Em 1995, o limiar de pobreza era de 2788 euros por ano. Em 2020, de 6653 euros por ano. Para efeitos estatísticos, está em risco de pobreza quem tem rendimento inferior. Na análise da pobreza não se pode perder o foco, salienta Fernando Diogo, professor auxiliar da Universidade dos Açores e investigador do CICS.NOVA: quem vive, de facto, nessa situação.

A taxa de população em risco de pobreza, feitas todas as transferências sociais, era em 1995 de 21,0%. Em 2019, ficava-se pelos 16,2%, o valor mais baixo dos anos em análise. Com a crise de saúde pública provocada pela covid-19, em 2020, esse indicador tornou a subir, alcançando os 18,4%. Este agravamento foi o maior registado nas últimas duas décadas num único ano.

As transferências sociais têm um impacto significativo no rendimento disponível das famílias em Portugal. Antes delas, a taxa de risco de pobreza situava-se nos 37% em 1995. No princípio do século, este indicador passou a estar nos 40% ou acima. Em 2019 estava nos 42,4 e em 2020 nos 43,5.

Como explica Fernando Diogo, houve “um envelhecimento acentuado da população”. Basta ver que em 1995 havia 84 idosos por cada 100 jovens e em 2020 havia 161,1 por cada 100.

Só temos dados para fazer uma análise por grupo etário desde 2003, mas esses não deixam margem para dúvidas. A taxa de pobreza de menores de 18 anos antes das transferências sociais baixou de 35,7% em 2003 para 28,4% em 2019. Na população em idade activa desceu de 32,4% em 2003 para 29%5% em 2019. Foi entre os maiores de 65 que subiu: de 81,8% em 2003 para 88,3 em 2019.

É graças às transferências sociais, em particular às pensões de velhice e de sobrevivência, que a grande maioria dos reformados não cai na pobreza. Em 1995, após as transferências relativas às pensões, a taxa de risco de pobreza era de 27%. Em 2019, tinha descido para 21,9%, o valor mais baixo nos anos em análise. Em 2020, subiu para 23,0%.

Há pensões tão baixas que, mesmo depois de as receber, milhares de idosos ficam abaixo do limiar da pobreza. Há prestações sociais (como o subsídio de desemprego ou o complemento solidário para idosos ou o abono) que podem puxar as pessoas para cima desse limiar nas várias faixas etárias. E é depois delas que se apura a taxa de pobreza final.

Nos 25 anos em causa, a primeira vez que a taxa de risco de pobreza antes das transferências sociais surgiu acima dos 40% foi em 2003, durante um Governo de coligação PSD-PP. Baixou a partir de 2004, voltando a subir em 2007, de forma progressiva. E foi entre 2011 e 2014, noutro Governo de coligação PSD/PP, que Portugal registou a maior diferença na taxa de risco de pobreza antes e depois de qualquer transferência social, o que tem sido interpretado pelos especialistas desta área como um reflexo do efeito estabilizador das pensões de velhice e de sobrevivência em alturas em que o rendimento do trabalho e outros rendimentos privados baixaram. Note-se que em 2011, a taxa antes de qualquer transferência alcançou os 45,4%; em 2012 os 46,9%, em 2013 os 47,8%, em 2014 os 47,5%, os valores mais altos do período em análise. Desde então foi baixando progressivamente até 2019. Como já aqui se disse, a tendência inverteu-se no ano de pandemia.

Em resumo

A frase de Luís Montenegro transmite duas ideias; “com o socialismo, as desigualdades aumentaram”; “com o socialismo, a taxa de risco de pobreza antes de prestações sociais foi em 2019 de 43%, quando em 1995 era de 37%”.

Não é verdade que Portugal está mais desigual do que em 1995. O indicador mais usado para medir a desigualdade é o índice de Gini e esse é claro: desceu, embora não de forma linear, agravando-se em momentos de crise. Outros indicadores confirmam a tendência.

A taxa de pobreza antes das transferências sociais estava nos 42,4% em 2019 e não nos 43%, como Luís Montenegro declarou. Alcançou os 43,5 em 2020, ano em que, por força da pandemia, todos os indicadores relacionados com pobreza e exclusão subiram. É, portanto, verdade que a taxa de pobreza antes das transferências sociais subiu desde 1995, mas numa evidente associação ao acentuado envelhecimento da população e registando picos em períodos de crise, acontecendo até ultrapassar a barreira dos 40% num período de governação PSD/PP e atingir o máximo noutro período de governação PSD/PP. Uma vez transferidas as pensões, a taxa de risco de pobreza desce de 27% em 1995 para 21,9% em 2019. Feitas todas as transferências sociais, baixa de 21% em 1995 para 16,2% em 2019.

Notícia alterada no dia 9 para acrescentar mais algumas explicações sobre os indicadores que medem a desigualdade e a pobreza monetária.