Ministério Público recorre da absolvição de activista ambiental que interrompeu Costa
Francisco Pedro tinha sido absolvido do crime de desobediência qualificada. Caso remonta a 2019, quando o activista interrompeu o discurso de António Costa num protesto contra novo aeroporto. Ministério Público pede reapreciação do testemunho de agente da PSP.
O Ministério Público entendeu recorrer da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa, em Fevereiro deste ano, que absolveu Francisco Pedro do crime de desobediência qualificada por não ter ficado provado que foi o responsável e organizador da acção de protesto de 22 de Abril de 2019, em que interrompeu o discurso de António Costa no Centro de Congressos de Lisboa.
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O Ministério Público entendeu recorrer da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa, em Fevereiro deste ano, que absolveu Francisco Pedro do crime de desobediência qualificada por não ter ficado provado que foi o responsável e organizador da acção de protesto de 22 de Abril de 2019, em que interrompeu o discurso de António Costa no Centro de Congressos de Lisboa.
Francisco Pedro, de 35 anos, tinha sido acusado pelo Ministério Público de ter sido identificado como o organizador da manifestação que decorreu durante a sessão do 46.º aniversário do Partido Socialista e que deveria ter sido comunicada, como obriga a lei, à Câmara Municipal de Lisboa, com dois dias de antecedência. O crime é punível com pena de até dois anos de prisão ou de até 240 dias de multa.
Um grupo de algumas dezenas de pessoas entrou no Centro de Congressos de Lisboa e atirou aviões de papel, mostrando cartazes onde se lia “Mais aviões, só a brincar”. Foi Francisco Pedro quem nessa altura subiu ao palco e interrompeu o discurso do primeiro-ministro, numa acção de um grupo de activistas (na altura integravam uma onda de protestos do grupo Extinction Rebellion) que se mostravam contra a expansão do aeroporto de Lisboa ou a construção de um novo aeroporto no Montijo, defendendo “o decrescimento da aviação e uma mobilidade justa”.
Em tribunal, Francisco Pedro sempre negou ter sido o promotor da acção, versão corroborada pelos testemunhos de outros dois participantes. O protesto, afirmou em tribunal Acácio Vaz Pires, uma das testemunhas, “foi algo que foi surgindo no grupo”, não existindo “uma pessoa que tenha dirigido a acção”, tratando-se, sim, de uma acção de “criação colectiva”.
Na sessão da leitura da sentença que absolveu o activista, a 17 de Fevereiro, a juíza Sofia Claudino considerou não estarem reunidas provas de que teria sido Francisco Pedro efectivamente o promotor da manifestação.
MP pede reapreciação de testemunho de agente
Para o Ministério Público, houve uma “errada ponderação da prova”, referindo-se ao depoimento do então chefe da PSP Paulo Santos (actualmente coordenador de investigação criminal em Ponta Delgada, nos Açores) que, quer em tribunal, quer no auto de notícia, identificou Francisco Pedro como promotor da manifestação e da acção de protesto.
“Quando completei a identificação, perguntei claramente aos três indivíduos quem era o organizador ou promotor da manifestação, e o senhor Francisco deu um passo em frente e disse: ‘Sou eu o organizador’”, testemunhou o agente em tribunal.
Na leitura da sentença que absolveu o activista, a juíza considerou que o comportamento do arguido, ao dar o referido passo, não revelava, por si só, que aquele foi efectivamente o organizador. Na sessão em que testemunhou Paulo Santos, a juíza chegou mesmo a confrontar o agente da PSP com o auto de notícia que o próprio redigiu e que descrevia Francisco Pedro como “promotor” da acção. “É uma conotação jurídica, não é bem uma forma espontânea”, questionou, na altura, a juíza. “Isso fui eu que disse”, confirmou o agente.
Para a juíza, o assumir de responsabilidade relatado pelo agente foi “uma manifestação da evidente proactividade do arguido que naquele momento entendeu dever assumir a responsabilidade pelos actos praticados num acto de alguma irreverência e, ao mesmo tempo, coragem”. Mas o Ministério Público não aceita esta tese. “Acreditando que o arguido apenas o fez por proactividade ou irreverência, configura um salto lógico inadmissível, que abala o significado natural e directo das suas palavras, corroboradas por elementos de prova fortes, credíveis e imparciais”, lê-se no recurso apresentado.
“Continua a haver ausência de outros elementos de prova que demonstrem que o Francisco Pedro era o organizador”, reage Sérgio Figueiredo, advogado de defesa do activista, em declarações ao P3. Para o advogado, o depoimento prestado pelo agente da PSP carece mesmo de validade legal, uma vez que “faz reflectir expressões proferidas pelo arguido num momento antes da sua constituição como arguido, antes de ter direitos enquanto arguido”, explicou.
Um processo para “intimidar”
Numa nota enviada ao P3 por escrito, Francisco Pedro mostrou-se surpreendido com o pedido de recurso por parte do Ministério Público. “Participei numa acção audaz, divertida e absolutamente necessária para denunciar um crime grave, que continua em curso: o projecto de expansão do aeroporto de Lisboa.” E acredita que o processo jurídico em curso é uma forma de desmobilização dos activistas: “Este processo não é para me intimidar a mim: é para nos intimidar a todos nós. É para nos dizer: ‘Só têm liberdade de expressão até ao ponto em que não incomode os interesses instalados’”, afirma.
O Ministério Público reconhece que em tribunal não se provou em concreto e com detalhe que foi Francisco Pedro a convocar e organizar a acção de protesto, mas reforça o testemunho do agente Paulo Santos para provar que o activista teve um “papel de destaque” e que estava ciente do carácter ilegal das suas acções.