Turquia, em busca de investimento, transfere julgamento dos acusados de matar Khashoggi para a Arábia Saudita
Riad diz que vai “avaliar” as acusações, mas deverá enterrar o caso. Sauditas que o reino condenou pelo crime vivem num complexo governamental de luxo e o principal suspeito já regressou à vida pública.
A procura de justiça no caso do jornalista saudita brutalmente assassinado no interior do consulado da Arábia Saudita em Istambul caiu vítima dos interesses económicos da Turquia: um tribunal turco acaba de decidir suspender o julgamento dos 26 sauditas acusados de matar o colunista do jornal The Washington Post. Oficialmente, o caso será agora transferido para a monarquia do Golfo, como Riad terá exigido em troca da melhoria nas relações pretendida por Ancara, a braços com uma grave crise económica. Na prática, a decisão deverá enterrar o processo.
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A procura de justiça no caso do jornalista saudita brutalmente assassinado no interior do consulado da Arábia Saudita em Istambul caiu vítima dos interesses económicos da Turquia: um tribunal turco acaba de decidir suspender o julgamento dos 26 sauditas acusados de matar o colunista do jornal The Washington Post. Oficialmente, o caso será agora transferido para a monarquia do Golfo, como Riad terá exigido em troca da melhoria nas relações pretendida por Ancara, a braços com uma grave crise económica. Na prática, a decisão deverá enterrar o processo.
Khashoggi chegara a ser próximo da família real, mas tornou-se crítico com a chegada ao poder do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (“MBS”, como é conhecido). Em 2017, auto-exilou-se nos Estados Unidos; a 2 de Outubro de 2018 pagou a oposição ao novo líder de facto do reino com a pior das mortes, asfixiado e desmembrado no consulado saudita de Istambul.
Antes de a própria ONU começar a investigar o assassínio – ou de os serviços secretos ocidentais concluírem que o jornalista foi vítima de um plano decidido ao mais alto nível e autorizado por MBS – já o Presidente turco garantia ter provas do crime, exigia explicações a Riad e acusava os EUA de “olharem para o lado” e ignorarem o envolvimento do regime. Quatro anos depois, a Turquia vive com a maior inflação dos últimos 20 anos e o seu Presidente, Recep Tayyip Erdogan, quer diminuir o desemprego e dar a volta à economia a tempo de garantir a sua reeleição, no próximo ano.
Erdogan passou por isso os últimos meses empenhado em dar um novo rumo à sua política externa, transformando os habituais rivais ou inimigos da região em novos parceiros de investimento. Fê-lo com Israel, com os Emirados Árabes Unidos – em Fevereiro, visitou a federação e garantiu a assinatura de 13 acordos; um mês depois, as exportações turcas para os Emirados tinham crescido mais de 50% – e com a Arábia Saudita. Neste caso, faltava resolver a questão Khashoggi para assegurar mais avanços.
A decisão do tribunal surge uma semana depois de um pedido do procurador para satisfazer a exigência saudita e transferir o caso para Riad (com o argumento de que os sauditas nunca permitiriam que os suspeitos fossem julgados na Turquia). O ministro da Justiça, Bekir Bozdag, esclareceu, entretanto, que o Governo aprovaria o pedido. Nos últimos dias, várias organizações internacionais de direitos humanos avisaram Ancara que a transferência vai levar a um novo encobrimento do assassínio – nada que os dirigentes turcos não saibam.
“Transferir o julgamento de Khashoggi da Turquia para a Arábia Saudita poria fim a quaisquer possibilidades de justiça e reforçaria a aparente crença das autoridades sauditas de que podem sair impunes com assassínio”, afirmou Michael Page, vice-director da Human Rigts Watch para o Médio Oriente num comunicado divulgado antes da decisão judicial.
Hatice Cengiz, a turca que estava noiva de Khashoggi (que foi ao consulado buscar um papel que confirmasse que não estava casado e que podia, por isso, casar-se com ela) vai recorrer da decisão. A Turquia “não é dirigida por uma família, como na Arábia Saudita” e tem “um sistema de Justiça que responde às queixas dos cidadãos”, afirmou aos jornalistas à porta do tribunal de Istambul.
Logo no início de 2019, e tentando aplacar a intensa pressão internacional que se fazia sentir, a Arábia Saudita julgou 11 pessoas cuja identidade não foi divulgada, num processo que a ONU denunciou como uma farsa. Em Dezembro, num texto publicado no diário The Guardian, o jornalista Martin Chulov escrevia que pelo menos dois membros dos serviços secretos e um cientista forense condenados pelo assassínio vivem e trabalham “em alojamentos de sete estrelas” dentro de um complexo do Governo em Riad.
Pela mesma altura, tornava-se evidente o regresso à vida pública de um dos mais leais conselheiros de MBS, Saud al-Qahtani, que tanto a CIA como o MI6 (os serviços secretos externos britânicos) acreditam ter sido o cérebro por trás do assassínio ordenado pelo príncipe. Depois de uns anos afastado, Qahtani começou a ser alvo de elogios publicados por membros da monarquia nas redes sociais e em Outubro voltou a ser visto no tribunal real, a partir de onde terá planeado o assassínio.