Antes sequer de a pandemia invadir os nossos dias, antes sequer de as ruas se esvaziarem e as salas de espectáculos serem fechadas a cadeado, antes sequer de sermos colectivamente mergulhados numa dimensão que trazia as narrativas distópicas e pós-apocalípticas do domínio da ficção especulativa para a porta de entrada de cada casa, antes de tudo isso já Rui Carvalho andava sobressaltado pela ideia de construir o seu disco seguinte a partir de um diálogo entre sonho e realidade. A par da abstracção do conceito vinha a vontade muito prosaica de querer — pela primeira vez desde que começou a responder pelo nome Filho da Mãe e a explorar o que podia ser a sua música em modo solitário — juntar a guitarra eléctrica à clássica. A ideia era que os dedilhados e arpejos desenhados por dedos em alvoroço a correr o braço da guitarra clássica, enchendo o espaço e enganando-nos os ouvidos, como se um pequeno ensemble vivesse clandestinamente dentro das suas composições, abrissem a brecha para uma eléctrica que trouxesse notas suspensas, uma reverberação etérea e uma forma de contrariar a gravidade e o peso naturais que lhe saltam das mãos.
Opinião
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