Programa do Governo passa ao lado da crise energética
O Governo quer mais renováveis, mais combustíveis limpos e mais eficiência energética, mas não fala sobre preços, nem sobre apoios a consumidores e empresas.
O Programa de Governo do novo executivo de António Costa, que foi entregue esta sexta-feira na Assembleia da República, mantém como compromissos aquelas que já eram as linhas prioritárias do programa eleitoral do PS em matéria de energia e clima.
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O Programa de Governo do novo executivo de António Costa, que foi entregue esta sexta-feira na Assembleia da República, mantém como compromissos aquelas que já eram as linhas prioritárias do programa eleitoral do PS em matéria de energia e clima.
Sob a direcção do novo ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, “o Governo assume o objectivo” de reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa em 55% até 2030 e de aumentar o peso das energias limpas na produção eléctrica em 80% até 2026 (face aos 58% actuais) e em 47% no consumo final bruto de energia até 2030 (foi de 34% em 2021).
Além disso, compromete-se a reduzir até ao final da década em 40% as emissões poluentes do sector dos transportes e mobilidade, tal como estava já previsto no programa eleitoral das últimas eleições legislativas.
Sem fazer qualquer referência à guerra contra a Ucrânia e às convulsões que o conflito veio provocar a nível energético, o documento repete aquilo que está nas propostas com que o PS se apresentou a eleições e que passa, em larga medida, por dar continuidade às medidas do anterior Governo, sem referir medidas que venham dar resposta ao contexto de crise energética.
No capítulo dedicado à transição energética, a única referência ao quadro internacional resume-se ao objectivo de “concretizar as interligações [energéticas] previstas”.
É no capítulo sobre a valorização das funções de soberania que o Governo assegura que Portugal irá “participar na resposta europeia às consequências estratégicas e económicas da guerra contra a Ucrânia”, que passa por “reforçar a autonomia europeia no acesso a bens básicos, desde logo, a fontes de energia”.
Nesse âmbito deverá fazer-se “valer a importância de Portugal e a necessidade de reforçar as interconexões energéticas entre Portugal, Espanha e o resto da Europa”, refere o documento.
Investimentos em descarbonização
Com João Galamba a manter-se na pasta da Energia, que agora passa a ser Energia e Ambiente, estarão na calha medidas como “implementar os investimentos de 610 milhões de euros previstos no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] no âmbito da eficiência energética”, dos quais 300 milhões de euros para o sector residencial.
Também se pretende concretizar os investimentos de 715 milhões de euros previstos no PRR para descarbonização da indústria e os outros de 185 milhões para o hidrogénio verde e gases renováveis, incluindo a criação de uma rede de postos de abastecimento a hidrogénio.
O Governo compromete-se ainda a lançar os leilões de hidrogénio já anunciados, “mobilizando até 50 milhões de euros por ano das receitas de CO2 existentes para apoiar a descarbonização da indústria e do sector dos transportes pesados de passageiros e mercadorias”, onde existe uma meta de incorporação de 20% de energia renovável até 2030.
Notando que “a transição energética que se perspectiva para a próxima década terá de mobilizar mais de 25.000 milhões de euros de investimento”, o executivo “compromete-se” a acelerar a concretização do Plano Nacional Energia e Clima 2030 e o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e propõe-se “aumentar a capacidade de produção de energia solar em pelo menos 2 Gigawatts nos próximos dois anos” com mais leilões para novas centrais e “facilitação do autoconsumo e da criação de comunidades de energia”.
Também se pretende “reforçar a capacidade de produção eléctrica dos parques eólicos existentes e fomentar sistemas híbridos” (onde coabitam o solar e a eólica) para reduzir a necessidade de construção de novas infra-estruturas de rede.
“Apostar na produção renovável offshore, consolidando e alargando o cluster industrial associado ao sector eólico”, também está nos planos, assim como pôr “particular ênfase no planeamento e nos processos de licenciamento” e desenvolver redes eléctricas inteligentes e soluções de armazenamento eléctrico.
Entre outras medidas, o programa do Governo para os próximos anos também garante que se irá desenvolver a produção de biocombustíveis avançados e sintéticos, incluindo amónia e metanol verdes, para descarbonizar os sectores químico e petroquímico para a descarbonizar o transporte marítimo e aéreo.
Promessa de fiscalidade mais verde
Fica ainda a promessa de “adoptar uma fiscalidade verde em linha com o objectivo de transição justa com uma transferência progressiva da carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos”.
O Governo quer prosseguir a “eliminação de isenções e benefícios fiscais prejudiciais ao ambiente” e dar “uma clara vantagem fiscal aos veículos eléctricos e a hidrogénio”, para que as empresas sejam incentivadas a comparticipar transportes públicos “em detrimento da disponibilização de transporte individual”.
Embora em relação à carga fiscal sobre os combustíveis o documento também seja omisso sobre o que o Governo quer fazer até 2026, o executivo tem tomado uma série de medidas de emergência desde a invasão da Ucrânia, para tentar estancar os efeitos da escalada dos preços do petróleo e dos produtos refinados nos mercados internacionais.
As taxas do ISP que se aplicam ao gasóleo e à gasolina, em vez de se manterem iguais durante um determinado período mais longo (de três meses), estão a ser revistas numa base semanal. O objectivo passa por ir adaptando a carga fiscal às flutuações do mercado, subindo, descendo ou mantendo as taxas numa proporção que leva em conta a variação da receita do IVA em função da previsão da evolução dos preços dos combustíveis (sem impostos). A medida aplica-se não apenas ao gasóleo e à gasolina comprada pelos condutores comuns, mas também o gasóleo colorido e marcado, ou seja, o que é usado no sector agrícola.
Ao mesmo tempo, continua de pé o programa Autovoucher, que permite aos contribuintes inscritos receberem um subsídio financeiro de 20 euros por mês se fizerem gastos nos postos de abastecimento inscritos. A iniciativa, já disse o primeiro-ministro, mantém-se enquanto for necessário.
Para os táxis, autocarros, transportes de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE, como os das marcas Uber, Bolt ou Free Now) e transportes de mercadorias por conta de outrem também foram lançadas medidas de apoio específicas para ajudar à compra dos combustíveis.