Dividir megaprocessos em fatias “seria o caos perfeito”, critica procurador da Operação Marquês
Vítor Pinto diz que nova lei anticorrupção nada resolve em termos de celeridade e descoberta da verdade, sendo “uma violenta machadada nos megaprocessos”. Pode levar “à impossibilidade de obter condenações”, avisa.
Levada à letra, a nova lei anticorrupção é uma sentença de morte para todos os megaprocessos e pode impedir a condenação dos respectivos arguidos. Quem o diz é um dos procuradores da Operação Marquês, Vítor Pinto, no Congresso do Ministério Público que termina este sábado em Vilamoura, e as suas preocupações foram partilhadas pela procuradora jubilada Maria José Morgado.
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Levada à letra, a nova lei anticorrupção é uma sentença de morte para todos os megaprocessos e pode impedir a condenação dos respectivos arguidos. Quem o diz é um dos procuradores da Operação Marquês, Vítor Pinto, no Congresso do Ministério Público que termina este sábado em Vilamoura, e as suas preocupações foram partilhadas pela procuradora jubilada Maria José Morgado.
Em causa está a nova disposição legal segundo a qual o juiz de instrução de um megaprocesso será obrigado a dividi-lo em fatias quando antecipar que não será possível terminar a sua fase instrutória no prazo máximo de quatro meses. “Não conheço nenhum megaprocesso em que isso seja possível”, observou Vítor Pinto, que classifica a medida como “uma violenta machadada” nos casos mais complexos. Que, no limite, dificultaria muito ou impossibilitaria mesmo condenações de arguidos que à partida eram previsíveis.
“Esta lei não resolve nada em termos de celeridade, eficácia e descoberta da verdade”, lamenta o magistrado, que diz que os megaprocessos estão a ser “torpedeados” sem que disso resultem vantagens. Espera agora Vítor Pinto que os juízes de instrução revelem bom senso na aplicação desta norma. Caso contrário, “seria o caos perfeito, com a total desarticulação” do trabalho desenvolvido pelo Ministério Público durante as investigações.
Uma vez ordenada a chamada separação processual, como será levada a cabo esta divisão? “Um processo por arguido, quando são por exemplo 28? Um processo por crime?”, quando podemos estar a falar de centenas deles? - interroga o magistrado.
Na opinião de Vítor Pinto, seria preferível reduzir ao máximo a fase instrutória dos processos e instaurar os chamados acordos de sentença – uma solução usada em muitos países para premiar os arguidos que confessam os seus crimes, mas que o Parlamento português rejeitou. Afinal, concluiu, mesmo com a nova lei “os megaprocessos vão continuar a existir, a não ser que algum juiz os torpedeie.”
“As novas regras de conexão processual podem ser uma derrocada do processo penal” tal como o conhecemos, lamentou por seu turno Maria José Morgado, que fala mesmo na “maldição dos quatro meses”.
Maria José Morgado interroga-se sobre o que poderá vir a suceder a casos como o do universo BES ou o Lex, que envolve o ex-juiz Rui Rangel, se a regra dos quatro meses lhes for aplicada. “A questão parece perigosa. Se a lei for de aplicação imediata, podemos ter problemas. Um processo pode transformar-se numa dezena de processos.”
A nova lei anticorrupção assenta, na análise da procuradora, num pressuposto de base: a falta de confiança do poder político nos magistrados. Que, se queria acelerar a actividade dos tribunais, tinha bom remédio: abolir de todo a fase instrutória dos processos e reforçar os mecanismos que premeiam os criminosos arrependidos. Afinal, foi assim que a mafia italiana foi desmantelada nos anos 80, recordou: com a delação de um dos seus principais chefes.