17.500 dias em liberdade, mais um do que durou a ditadura: “Devíamos orgulhar-nos do caminho que temos feito”
O 25 de Abril foi um “dois em um”: um golpe militar e outro de “genialidade”, afirma Matos Gomes. O capitão de Abril, a presidente da EGEAC e o deputado Bernardo Blanco debateram o significado da Revolução e o futuro da democracia.
A Revolução dos Cravos foi um golpe militar e um “golpe de genialidade”. Feita e consolidada a transição democrática, é preciso trabalhar, pensar e lutar pela democracia. No dia em que o país cumpre 17.500 dias em liberdade, mais um do que os que durou a ditadura, os participantes de um debate organizado pelo PÚBLICO reflectiram sobre o que Abril significa para o país, o que trouxe e os desafios que se seguem.
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A Revolução dos Cravos foi um golpe militar e um “golpe de genialidade”. Feita e consolidada a transição democrática, é preciso trabalhar, pensar e lutar pela democracia. No dia em que o país cumpre 17.500 dias em liberdade, mais um do que os que durou a ditadura, os participantes de um debate organizado pelo PÚBLICO reflectiram sobre o que Abril significa para o país, o que trouxe e os desafios que se seguem.
“O 25 de Abril é um dois em um”, começa por explicar o coronel Carlos Matos Gomes. “É um putsch militar, com o objectivo de alterar o regime que existia, que era uma ditadura militar. E esse putsch traz à sociedade a liberdade, porque o regime de ditadura é derrubado. E no dia 25 há também um golpe de genialidade de Otelo Saraiva de Carvalho, [porque] o povo entra no processo político”, explica o capitão de Abril.
Esta quinta-feira, no auditório do PÚBLICO, em Lisboa, o coronel uniu-se a Joana Gomes Cardoso, presidente da EGEAC, que gere a cultura em Lisboa, e Bernardo Blanco, deputado à Assembleia da República da Iniciativa Liberal (IL), numa conversa moderada pelo director do jornal, Manuel Carvalho.
Num painel composto por oradores com diferentes formas de ver (e viver) o 25 de Abril, diferentes percursos e idades, o mais novo, Bernardo Blanco, defendeu que esta quinta-feira é, antes, “o dia em que passamos a ter mais dias sem ditadura do que com ditadura”, já que “o que aconteceu em 1974/75 não é aquilo que conhecemos como o conceito de democracia ocidental que vivemos hoje”.
“Só em 76 começou a haver uma consolidação democrática maior, sendo que várias liberdades só depois foram surgindo. Houve uma rejeição da ditadura e a introdução do pluralismo”, diz, concluindo que todas as “turbulências revolucionárias” que se registaram imediatamente pós-25 de Abril fizeram (e fazem) “parte do processo da conquista da democracia”.
Para Joana Gomes Cardoso, abordar o tema da revolução é, inerentemente, falar numa perspectiva cultural. “Todas as desculpas são boas para falarmos e pensarmos no 25 de Abril num sentido alargado. Falando sobre a área da cultura, o que tentamos [EGEAC] é falar do 25 de Abril todos os dias do ano, ter uma programação que faz homenagem aos heróis e a todas as pessoas anónimas, e pensar no que ficou e no que está por cumprir”, disse.
Para a presidente da AGEAC, “não podemos ter por garantidos a habitação, o emprego e, neste momento, nem a paz nem a democracia. A própria democracia é algo que temos que trabalhar constantemente”. Já para Bernardo Blanco, a chave está em “celebrar o passado”, de forma a “corrigir o presente, porque há um futuro ainda melhor para viver”. Apesar de gostar do sistema democrático em que o país vive, “há muitas falhas”, disse o deputado liberal.
“O sistema democrático em que vivemos é aquele em que quero viver, mas temos que ser mais exigentes. Há muito conformismo, às vezes... Acho que há muitas falhas, muita abstenção nas eleições. Todos sabemos que o nosso presente não é ideal para a minha geração”, partilhou o jovem.
Na tentativa de analisar e explicar o atraso no desenvolvimento do país, o coronel Matos Gomes respondeu, de imediato, que “Portugal tem um problema de desenvolvimento quase desde a fundação”, mas que o país não tem “nenhum gene de subdesenvolvimento”, disse. Justificou este atraso com a posição geográfica de Portugal, a soberania do país relativamente a Inglaterra e a supressão exercida pela Igreja católica.
Em resposta, Joana Gomes Cardoso afirmou que “há uma certa autoflagelação portuguesa que nem sempre beneficia o país”, acrescentando que, a nível democrático, Portugal “não está tão mal assim”. No entanto, mostra-se preocupada com os valores crescentes de abstenção, assim como o deputado da IL, opondo-se ao pensamento do coronel Matos Gomes, a quem esta questão “não preocupa nada”.
Num debate em que se abordou superficialmente a instauração do voto obrigatório, o mais velho e o mais novo dos oradores partilham da mesma opinião: “Não quero ter nenhuma punição por não votar. O que quero é que me apresentem propostas suficientemente apelativas que me levem a sair de casa”, afirmou Matos Gomes. Bernardo Blanco completa: o importante seria “mostrar primeiro que o voto é importante”.
“Independentemente de todas as críticas à revolução e ao processo”, concluiu Joana Gomes Cardoso, “é inegável que existiu uma coragem física e intelectual naquele dia [25 de Abril]”. A Europa e Portugal “estão cheios de problemas, mas devíamos orgulhar-nos do caminho que temos feito até aqui”.