João Gomes Cravinho regressa à diplomacia: a guerra e o hexágono

Ex-ministro da Defesa passa para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma casa que conhece bem. Pega na pasta num momento em que a diplomacia está, como raras vezes acontece, na ribalta e à vista de todos.

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João Gomes Cravinho é o novo ministro dos Negócios Estrangeiros Daniel Rocha

A guerra na Ucrânia é a prioridade máxima do novo ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, tal como é a prioridade máxima de dezenas, senão todos, os chefes da diplomacia do mundo.

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A guerra na Ucrânia é a prioridade máxima do novo ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, tal como é a prioridade máxima de dezenas, senão todos, os chefes da diplomacia do mundo.

É uma guerra nova, à porta da União Europeia (UE) e ameaça a paz na Europa como nunca desde a II Guerra Mundial. Cravinho regressa ao Palácio das Necessidades — foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação entre 2005 e 2011, com o ministro Luís Amado — quando a diplomacia está, como raras vezes acontece, na ribalta e à vista de todos, analisada e comentada por especialistas e cidadãos comuns, 24h por dia.

Cravinho, 57 anos, é visto por muitos, dentro e fora do Ministério dos Negócios Estrangeiros, como a escolha óbvia e natural para chefiar a diplomacia. Conhece a casa; conhece os dossiers; tem experiência internacional (foi embaixador da União Europeia na Índia e no Brasil) e as relações internacionais são o centro da sua vida desde a escola. Em plena guerra na Ucrânia, traz também a experiência de anos como ministro da Defesa. Fez o doutoramento em Ciência Política na Universidade de Oxford e mestrado e licenciatura na London School of Economics. Foi professor de relações internacionais, consultor e presidiu ao Instituto da Cooperação Portuguesa.

A diplomacia portuguesa é definida pela constância e o ministério dos Negócios Estrangeiros tem a marca da continuidade, quase invariabilidade, cuja política é imune às mudanças de governos entre a direita e a esquerda. Com matizes mais ou menos europeístas, mais ou menos africanistas, mais ou menos atlantistas, há meio século que a diplomacia portuguesa trabalha em torno dos mesmos quatro eixos: Europa, Atlântico, lusofonia, comunidades.

Os desafios ligados a cada um destes eixos têm evoluído, incluindo nas relações bilaterais, geridas de perto pelo MNE, como o Reino Unido e os EUA. Hoje os chefes da diplomacia europeus têm muito menos poder de decisão sobre política europeia do que tiveram no passado, mas uma das incógnitas da nova guerra é saber que efeito terá nos desafios internos da própria UE. Vai a guerra na Ucrânia acelerar, atrasar ou mudar as reformas da UE? Augusto Santos Silva — que foi ministro dos Estrangeiros sete anos — propôs em 2020 “um foco particular” na reforma do euro, na preparação das novas Perspectivas Financeiras e na Cooperação Estruturada Permanente.

Santos Silva deixa ao seu sucessor um desafio teórico particular: que a matriz fundadora da diplomacia portuguesa passe a ter seis e não quatro eixos. “Pergunto‐me, e pergunto aos diplomatas portugueses, se não é tempo de reconhecer que duas linhas de política externa cresceram e se autonomizaram o suficiente para deverem ser tratadas como dimensões distintas. E, nesse caso, já não bastará falar de quatro lados, mas de seis, e o polígono ilustrativo passaria a ter a forma de um hexágono”, escreve no livro Evoluir. Novos contributos para a política europeia e externa de Portugal (Tinta‐da‐china, 2020). “Vou mais longe, sugerindo que, na prática, já é isto que temos feito — o que falta é adequar o discurso político à prática.”

Quais os novos eixos propostos? Internacionalização e multilateralismo.

A “unidade e continuidade” da diplomacia portuguesa, nas “prioridades fundamentais e principais modos de agir” — “uma vantagem de Portugal quando comparado com muitos outros países” — “não implica nem cristalização de posições, nem unanimismo de doutrinas, nem incapacidade de adaptação e mudança”, escreveu Santos Silva. Evoluir é um livro com uma tese: “A política europeia e externa da democracia portuguesa tem evoluído; precisa de evoluir; evoluir não é pôr em causa a sua matriz mas, ao invés, fortalecê‐la.”