Alimentação, habitação e transporte: a tríplice ameaça
Uma economia estrangulada entre alimentação, habitação e transporte, é uma economia incapaz de gerar riqueza. É uma economia que pode apenas almejar a existir, vendo no progresso e no crescimento económico uma utopia.
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É característica intrínseca a todo o Oeste português a existência de uma fresca brisa que, transportando um aroma de lírio e sabor a mar, serve de dínamo aos moinhos de vento da região, permitindo-lhes cumprir a sua função de transformar o grão de trigo na farinha que dará origem ao pão. Também os gélidos leitos de água, que, pela região geologicamente tumultuosa de Entre Douro e Minho, fluem adormecidos por socalcos e montanhas, despertam no momento em que o seu poder hídrico permite a moagem do grão de trigo em farinha que se tornará pão. Assumindo como verdadeira a tradição popular de que o pão é vida, a vida nunca esteve tão cara.
Segundo um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), antes do eclodir da pandemia, os portugueses alocavam cerca de 60% do seu orçamento familiar à alimentação, habitação e transporte. Hoje, depois de uma catástrofe epidemiológica e um conflito armado no coração da Europa, essa fatia é significativamente maior.
Ao longo dos últimos anos, o preço dos transportes tem vindo a aumentar de forma substancial. A pandemia, o acidente marítimo no canal do Suez, a invasão de território ucraniano pela Rússia, tudo isto contribuiu para um aumento exponencial no valor dos transportes, não só de mercadorias, mas também de pessoas. Num momento em que o preço dos combustíveis atinge máximos históricos — o próprio jet fuel teve aumentos na ordem dos 40% — podemos compreender que a parcela do orçamento familiar alocado a esta rubrica é significativamente mais elevada hoje do que era no passado.
Também a fatia do orçamento das famílias portuguesas destinado à habitação e respectivas despesas aumentou nos últimos anos. Segundo o INE, este valor é hoje mais do dobro daquele que se verificava aquando da implementação da moeda única. Para este crescimento contribuiu o aumento dos custos da energia, que atingiram recentemente máximos históricos e se manifestam indelevelmente nas finanças de todos os portugueses. Segundo dados revelados pela Eurostat em Dezembro de 2021, estas despesas representavam mais de 25% do orçamento das famílias, o que representa um aumento de 2,2% quando em comparação com ano transacto. O próprio valor dos imóveis tem vindo a aumentar progressivamente ao longo dos últimos anos. Quando em comparação com o período homólogo do ano passado, é possível compreender que, num momento de compressão económica, houve um aumento de 7,9 pontos percentuais na valorização dos imóveis em solo nacional.
A alimentação tem vindo também a assumir uma preponderância cada vez mais significativa nas despesas dos portugueses. Ao longo dos últimos anos o valor dos bens alimentares tem vindo a aumentar sobremaneira. Segundo a Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO), o preço dos alimentos atingiu máximos históricos no passado mês de Fevereiro, tendo sofrido um aumento até 12,5% nos últimos dois anos. Isto vai ao encontro daquilo que têm vindo a ser as tendências de consumo das famílias portuguesas no passado recente que, segundo o INE, nunca gastaram tanto dinheiro em comida. Entre Janeiro e Agosto de 2021 — ainda antes do clima de crispação militar atingir a Europa —, o índice FAO dos preços alimentares subiu 34%. As previsões indicam que esse valor seja actualmente mais elevado.
Importa assim compreender que uma economia estrangulada entre alimentação, habitação e transporte, é uma economia incapaz de gerar riqueza. É uma economia que pode apenas almejar a existir, vendo no progresso e no crescimento económico uma utopia. Para reverter esta tendência, importa que os apoios às empresas e às famílias sejam efectivos e tangíveis, que facilitem o investimento e o cash flow ao dispor da sociedade, para que, potenciando a dinamização de micro-economias estruturais e produtores endógenos, se possa almejar a uma estabilização macroeconómica, revertendo a tendência de sangria financeira que se tem vindo a verificar no orçamento das famílias portuguesas.