Américo Duarte: “Só ficava chateado por ter de atacar o Cunhal daquela maneira”
Ficará para a História como o primeiro deputado a discursar na primeira tribuna saída da democracia: a Assembleia Constituinte, eleita em Abril de 1975 para redigir a Constituição. A passagem do mecânico Américo Duarte pelo Parlamento, eleito pela UDP, mostra como as possibilidades se tinham aberto com a revolução. Um tempo em que (quase) tudo era possível. Com esta conversa, damos início a uma série de trabalhos que assinalam mais dias de democracia do que de ditadura. Um marco que se celebra esta quinta-feira.
De operário a soldado. De soldado a deputado da União Democrática Popular (UDP). Teve uma vida política curta, mas intensa. Como tudo o que acontece no período de transição para a democracia em Portugal. Américo Duarte, 79 anos, é um daqueles homens entre o romântico e o trágico, que ficam na história por acidente. Agora fragilizado por um Parkinson que lhe trai os músculos, mantém a memória acutilante. Talvez recompensa de todos aqueles que não se limitam a testemunhar os acontecimentos. Fazem-nos. Américo Duarte não os pediu, mas aproveitou-os. Não esperava recompensas, mas dispensava a traição de ver negado o apoio dos camaradas de partido ao tratamento de uma filha com cancro. Durante os cinco meses em que foi deputado, nas outras bancadas, sobretudo do PPD e CDS, só via “um ninho de lacraus”, comprometido com o velho, embora disfarçado de novo, regime. Fruto do Verão Quente de 1975, quando tudo se extrema e ninguém sabe ainda se a democracia vinha para ficar, discursava na Assembleia da República, mas batia-se pela sua dissolução. Na tribuna, foi deputado sozinho — o único eleito pela UDP — e solitário. Distribuiu truculências. Insultou e foi insultado. Lutou pelos mais fracos, mas foi traído pelas avarezas da política. Sempre de pé.