Quando uma ilha verde se torna vermelha: Madagáscar sofre com a seca
A seca, a desflorestação, os estragos ambientais, a pobreza, a covid-19 e o crescimento populacional estão a fazer a população de Madagáscar passar fome. Uma terra outrora verde é agora vermelha.
Num campo do sul de Madagáscar, restam poucas árvores, preciosas para abrandar o vento num terreno que outrora foi fértil, por isso a areia vermelha está a espalhar-se por todo o lado: para campos, aldeias e estradas, e também para os olhos de crianças que esperam por pacotes de alimentos.
Quatro anos de seca, a pior em décadas, aliada à desflorestação, provocada pelas pessoas que queimam ou cortam árvores para fazer carvão ou para arranjarem espaço para agricultura, transformaram a área numa tigela de poeira.
“Não há nada para colher. É por isso que não temos nada para comer e passamos fome”, diz Tarira, mãe de sete, de pé junto a um ponto do Programa Alimentar Mundial, perto de Anjeky Beanatara, onde crianças são examinadas, à procura de sinais de malnutrição, e onde lhes é dada comida.
Mais de um milhão de pessoas no sul de Madagáscar precisam de comida do Programa Alimentar Mundial, uma agência das Nações Unidas.
Tarira trouxe o filho de quatro anos, Avoraza, que tem tido dificuldades em engordar, para recolher saquetas de um produto com base de amendoim, conhecido como Plumpy, utilizado para tratar crianças subnutridas.
“Eles são sete, por isso não havia comida suficiente. O Plumpy não era suficiente para ele”, refere, enquanto segura Avoraza pelo seu fino braço.
Como muitas outras da região, Tarira e a família têm-se reduzido a comer, por vezes, um tipo de cacto conhecido localmente como raketa, que cresce de forma selvagem, mas que tem pouco valor nutricional e dá dores de barriga, lamenta Tarira.
Madagáscar, a quarta maior ilha do mundo e um dos ecossistemas mais diversos do mundo, com milhares de espécies de plantas endémicas e animais como lémures, projecta a imagem de um paraíso natural. Mas em partes da ilha, como as regiões mais a sul, a realidade mudou.
“Costumávamos chamar a Madagáscar a ilha verde, mas, infelizmente, agora é a ilha vermelha”, afirma Soja Lahimaro Tsimandilatse, governador da região Androy, no sul.
A rezar por chuva
A crise alimentar no sul foi crescendo ao longo de alguns anos e tem causas interligadas, como a seca, a desflorestação, os estragos ambientais, a pobreza, a covid-19 e o crescimento populacional, segundo autoridades locais e organizações de apoio.
Com uma população de 30 milhões de pessoas, Madagáscar sempre foi conhecido por eventos meteorológicos intensos, mas os cientistas dizem que estes irão, provavelmente, aumentar em termos de frequência e de gravidade, à medida que as alterações climáticas provocadas pelo ser humano vão fazendo as temperaturas aumentarem.
O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, das Nações Unidas, diz que o aumento de terras áridas já é visível em Madagáscar e prevê que as secas irão aumentar. Perante a dimensão da crise alimentar no sul, o Programa Alimentar Mundial avisou que a ilha era o primeiro local onde há fome por causa das alterações climáticas.
Um estudo levado a cabo pelo colectivo de investigação World Weather Attribution reporta que há uma pequena mudança em direcção a mais secas provocadas pela crise climática no sul de Madagáscar, mas refere que a variabilidade natural era a causa principal para o segundo evento de seca “um em cada 135 anos” desde 1992.
Theodore Mbainaissem, que dirige as operações do Programa Alimentar Mundial nas áreas mais afectadas de Madagáscar, refere que padrões atmosféricos anteriormente regulares mudaram nos últimos anos e que os anciões das aldeias já não conseguiam perceber qual a melhor altura para plantar ou colher.
Mbainaissem diz que depois de meses de intervenção do Programa Alimentar Mundial, de outras organizações de ajuda ou mesmo das autoridades locais, o pior da crise alimentar tinha acabado. Garantiu que as taxas de malnutrição entre as crianças tinham caído de 30%, há uns meses, para 5%, actualmente.
“Quando olhas para as aldeias vês crianças a correr. Isso não acontecia antes”, afiança.
As comunidades e os grupos de ajuda estão a tentar ultrapassar a fase de emergência e focarem-se em projectos futuros, como um esforço de grande escala na cidade costeira Faux Cap, onde pretendem estabilizar as dunas através da plantação.
Mas nas áreas rurais, onde as pessoas continuam a viver na pobreza, alguns dos factores que contribuíram para a crise continuam presentes.
Para o recém-casado Felix Fitiavantsoa, de 20 anos, que estava a queimar uma área com madeira para começar a cultivá-la, as consequências a longo prazo da desflorestação são uma preocupação secundária. A sua necessidade urgente era cultivar alimentos para a sua esposa, e a sua principal preocupação era se finalmente iria chover, para que pudesse começar.
“Se não chover, não sei o que vamos fazer. Vamos rezar a Deus.”