O seu filho é um viciado digital?

Em termos biológicos a dopamina impulsiona e reforça hábitos sem criar uma necessidade biológica ou física. Mas estes comportamentos de repetição são importantes, especialmente para as crianças.

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Em vez de ecrãs, dê prioridade a brincadeira ao ar livre Margaret Weir/Unsplash

Gostemos ou não, os dispositivos digitais estão por todo o lado. Alguns de nós mal conseguimos largá-los, mesmo quando estamos com familiares e amigos queridos. Pese embora as vantagens que estes dispositivos nos trouxeram, podem também ter efeitos negativos na saúde, que vão desde o sono à memória e atenção.

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Gostemos ou não, os dispositivos digitais estão por todo o lado. Alguns de nós mal conseguimos largá-los, mesmo quando estamos com familiares e amigos queridos. Pese embora as vantagens que estes dispositivos nos trouxeram, podem também ter efeitos negativos na saúde, que vão desde o sono à memória e atenção.

No que diz respeito ao consumo de tempo de ecrã pelas crianças, das mais pequenas às maiores e adolescentes, os tempos são preocupantes. Além do que conseguimos perceber a olho nu (menos tempo em brincadeira ao ar livre, menos tempo a investir em relações sócio emocionais com família e amigos, menos tempo de aborrecimento para estimular a criatividade e o raciocínio lógico), existem outros efeitos negativos por debaixo do pano. Estou a referir-me a efeitos nocivos no desenvolvimento cerebral, com as consequências negativas que isso acarreta no presente e futuro dessas crianças e jovens.

O tempo que passamos à frente dos ecrãs, o açúcar e as recompensas por determinados comportamentos das crianças, têm um efeito semelhante no cérebro: desencadeiam um ciclo de prazer/recompensa, inundando-os em dopamina, a mesma substância química associada ao bem-estar. Esta substância é também libertada no cérebro quando se usa cocaína. Inúmeras investigações têm demonstrado que as imagens e funcionamento dos cérebros das crianças frente aos ecrãs têm muito de semelhante com as imagens e funcionamento dos cérebros de crianças sob o efeito da cocaína, especificamente numa área específica, o córtex frontal do cérebro, afectando, por exemplo, o controlo do impulso.

A dopamina é um tipo de neurotransmissor segregado no nosso corpo usado pelo sistema nervoso, como um mensageiro químico, para enviar mensagens entre as células nervosas (neurónios) e com muitas funções, nomeadamente na motivação, na memória, na atenção e até na regulação dos movimentos corporais. Quando é libertada desencadeia sentimentos de prazer e recompensa, o que nos motiva a repetir um determinado comportamento.

Quando as crianças são estimuladas externamente, por exemplo por um episódio do seu desenho animado preferido, é libertada uma onda de dopamina através de vias neuronais para o sistema de recompensa, levando-as repetir o comportamento. Este é o mesmo mecanismo de quando o cérebro está sob o efeito de drogas.

Existem inúmeros estudos que evidenciam que os ecrãs desencadeiam a libertação da dopamina com desgaste dessas vias neuronais, criando uma adição no cérebro da criança, que anseia cada vez por mais tempo de tela (por mais um episódio, por mais um vídeo no YouTube, etc.). Em termos biológicos a dopamina impulsiona e reforça hábitos sem criar uma necessidade biológica ou física. Mas estes comportamentos de repetição são importantes, especialmente para as crianças.

Outra questão com que nos devemos preocupar é que significado tem isto em comportamentos futuros de adição. Não existem evidências científicas de que o aumento da absorção de dopamina durante a infância aumenta o risco de abuso de substâncias na idade adulta, mas sabendo que as crianças se encontram no período de maior e mais rápido desenvolvimento cerebral (e por isso também o mais susceptível), não deixa de ser preocupante. Isto porque foi demonstrado que este excesso de dopamina associado aos ecrãs prejudica uma área específica do cérebro, o córtex pré-frontal, com uma consequente diminuição do controlo dos impulsos.

Os aparelhos electrónicos acabam por manter as crianças num estado crónico de híper excitação, deixando-as mais agitadas, mais irritadas e consequentemente exaustas. Esse estado de exaustão tem um impacto directo na capacidade de memória, no desempenho académico, mas também nas suas relações com os outros, uma vez que a sua capacidade de regulação das emoções fica comprometida. Ou seja, parece que o consumo excessivo de ecrãs tem como consequência a atrofia de certas áreas cerebrais.

Existem outros efeitos indesejáveis, tais como aumento da obesidade e problemas ósseos devido à falta de actividade física, atrasos cognitivos (nomeadamente em competências de resolução de problemas), na linguagem e nas competências sócio emocionais (com maior probabilidade de apresentarem ansiedade, depressão e alterações do padrão de sono, nomeadamente supressão da segregação da melatonina e alteração do sono REM, essencial no processamento e armazenamento de informação na memória). Não esquecer também a maior possibilidade de sofrerem de cyberbulling e ficarem mais expostos a predadores na internet.

Ainda há um longo caminho a percorrer no que diz respeito à investigação nesta área e nas ilações a retirar. Mas sabemos que a genética também interfere na forma como cada um de nós responde à dopamina, fazendo com que algumas crianças com um padrão genético envolvido no circuito da dopamina específico podem ser mais propensas a comportamentos mais agressivos ou défices de atenção.

O que tudo isto significa é que quanto mais tempo de ecrã tiverem, mais viciadas em ecrãs as crianças se tornam. Em casos mais graves, o ciclo de feedback da dopamina por consumo de ecrãs pode desencadear perturbações comportamentais que só podem ser resolvidos com uma desintoxicação digital em contexto de psicoterapia. Sabia que o aumento do comportamento agressivo pode ser um sinal de vício em ecrãs em crianças com menos de 6 anos?

É impossível proteger completamente as crianças, mas podemos sempre tentar minimizar estes efeitos negativos. Aqui ficam algumas sugestões:

  • A melhor prevenção é o seu próprio comportamento enquanto pai/mãe. Tente modelar hábitos saudáveis de consumo de ecrãs. Sabia que mais de 50% das crianças reporta que sente que os pais estão distraídos com os ecrãs, quando elas tentam comunicar com eles?
  • Evite usar ecrãs emissores de luz azul pelo menos duas horas antes de dormir.
  • Tente perceber o que o seu filho gosta de ver nos ecrãs e converse acerca disso.
  • Aprenda a jogar os jogos que ele gosta e faça-o com ele. É uma boa oportunidade para reflectir acerca do que se está a passar no jogo.
  • Dê prioridade à brincadeira ao ar livre.
  • Nunca use os ecrãs como recompensa.

As recomendações internacionais de uso de ecrãs segundo as idades são as seguintes:

  • Até seis meses de idade: zero exposição aos ecrãs.
  • Dos seis meses aos dois anos: use o tempo de ecrã apenas para vídeochamada com entes queridos.
  • Dos dois aos cinco anos: não mais de uma hora de ecrã por dia, com introdução gradual.
  • Crianças em idade escolar: não existe limite definido, mas o tempo de consumo deve ser o menor possível.

Sei que por vezes é complicado saber o que fazer para mantermos os nossos pequeninos divertidos e tranquilos, especialmente nos momentos em que mais precisamos que se portem bem, só durante aqueles cinco minutinhos, para tratarmos de coisas dos adultos. Contudo, é importante nunca nos esquecermos que os primeiros anos são fundamentais para o desenvolvimento do seu cérebro e que tudo a que está, ou não, exposto irá moldar o seu futuro para sempre.