Dos dialectos dos peixes ao canto das baleias, esta biblioteca de sons quer pôr-nos a ouvir todos os ruídos do fundo do mar

A nova plataforma, que será lançada em breve, vai permitir captar sons marinhos de espécies conhecidas e não identificadas. A GLUBS é pensada para cientistas, mas quem se interessar pela vida marinha também pode participar – basta utilizar a aplicação.

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Reuters/Lucas Jackson

Não é preciso ser-se biólogo marinho ou cientista para se escutar o fundo do mar. Tal como podemos sentir a falta de alguns instrumentos quando ouvimos uma orquestra, também a ausência de sons emitidos por certos animais pode significar que algo se passa com os oceanos. Para monitorizar este ecossistema e evitar que a diversidade de sons se extinga, Miles Parsons, autor de um estudo recentemente publicado na revista Frontiers in Ecology and Evolution, e 16 outros cientistas estão a desenvolver a Biblioteca Global de Sons Biológicos Subaquáticos (GLUBS), plataforma virtual que vai reunir uma base de dados de sons aquáticos conhecidos e outros não identificados.

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Não é preciso ser-se biólogo marinho ou cientista para se escutar o fundo do mar. Tal como podemos sentir a falta de alguns instrumentos quando ouvimos uma orquestra, também a ausência de sons emitidos por certos animais pode significar que algo se passa com os oceanos. Para monitorizar este ecossistema e evitar que a diversidade de sons se extinga, Miles Parsons, autor de um estudo recentemente publicado na revista Frontiers in Ecology and Evolution, e 16 outros cientistas estão a desenvolver a Biblioteca Global de Sons Biológicos Subaquáticos (GLUBS), plataforma virtual que vai reunir uma base de dados de sons aquáticos conhecidos e outros não identificados.

“Com a biodiversidade em declínio em todo o mundo e os seres humanos a alterar implacavelmente as paisagens sonoras subaquáticas, há necessidade de documentar, quantificar e compreender as fontes de sons de animais subaquáticos antes que estes desapareçam potencialmente”, explica.

O projecto promete ajudar os cientistas na identificação de novos organismos através do som. Neste momento, entre as 250 mil espécies marinhas conhecidas, 126 mamíferos e mil invertebrados emitem ruídos. Thwop, muah ou boops (em inglês) são os mais frequentes, mas os especialistas acreditam na existência de muitos mais.

A ideia é uma mais-valia não só para cientistas – que vêem assim facilitada a identificação de novas espécies, o estudo da salinidade das águas, a monitorização de zonas de desova ou a observação dos padrões de migração de mamíferos –, mas também para curiosos, que têm à disposição uma vasta colecção de cacofonias emitidas pelas espécies de água doce ou salgada.

Tendo em conta que vai estar disponível online, os biólogos marinhos portugueses também podem vir a beneficiar da GLUBS, explica ao P3 Luís Filipe Castro, docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar). “Os organismos emitem e recolhem sons como forma de interagir com o ambiente e, nesse sentido, os cientistas dedicam-se a estudar outros comportamentos e outras actividades das espécies. A poluição sonora nos oceanos é um problema e, sendo um problema, eles dedicam-se a estudar os sons para perceber de que modo é que isso afecta os organismos”, acrescenta.

A Macaulay Library, que reúne sons de diferentes ecossistemas, a FrogID ou a BirdNet são algumas das bibliotecas existentes. Contudo, a diferença entre estas e a GLUBS está no tipo de criaturas marinhas. Além de gratuita, a plataforma vai incluir as espécies em falta nos catálogos, contrariando, desta forma, as bibliotecas que se concentram apenas nas espécies nacionais e de interesse para os investigadores do instituto anfitrião. A proposta surge porque, defendem os cientistas, “uma base de dados de sons não-identificados é, de certa forma, tão importante como uma base de dados de fontes conhecidas”. Ainda que não tenham revelado datas, os autores garantem que a plataforma vai estar disponível em breve.

Apesar de questionar a importância de distinguir espécies menos conhecidas como as piranhas-vermelhas, Luís Filipe Castro reforça a importância do projecto defendendo a necessidade de conhecer os sons, que apelida de “assinatura dos organismos”, bem como as formas de interacção com o ambiente e de como se alimentam.

Hidrofones oceânicos ligados aos telemóveis, sistemas de inteligência artificial e câmaras GoPro são os equipamentos que podem ser utilizados na recolha dos sons. Além disto, o objectivo passa também por expandir as descobertas através de aplicações para telemóvel. Desta forma, quem tiver interesse no meio subaquático também pode captar o que ouve: basta carregar os resultados na GLUBS através da aplicação River Listening, que incentiva a gravação de sons de peixes nos rios e águas costeiras. À revista Science, Miles Parsons revelou que está em aberto a possibilidade de os cientistas criarem uma aplicação-cidadã, que, depois de registar o som captado, divulga uma mensagem sobre a espécie e o comportamento da mesma.

Estudo revela que os peixes têm dialectos diferentes

Além de conseguirem descodificar, através da inteligência artificial, “sons passivos”, ou seja, ruídos que as espécies emitem enquanto comem, rastejam e nadam, a biblioteca quer facilitar o estudo das zonas de difícil acesso – tarefa complexa, no caso das observações visuais – e das criaturas marinhas predominantemente nocturnas ou mais difíceis de encontrar. No caso destas áreas, a descrição dos ruídos fornece uma visão da biodiversidade do oceano e, inclusive, já revelou que as baleias podem ser nómadas e nadar em locais inesperados, como acontece com as finlandesas presentes nos hemisférios Norte e Sul ao longo das estações.

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CA

Enquanto isso, apontam os autores, os peixes parecem desenvolver sinais linguísticos diferentes entre regiões que evoluem ao longo do tempo. Exemplo disso é o peixe-palhaço de Madagáscar (subfamília dos Amphiprioninae), que emite sons em situações de luta que são diferentes dos da espécie que vive na Indonésia.

Num momento em que a navegação, a exploração petrolífera e a construção de turbinas eólicas contribuem, em larga escala, para a poluição sonora oceânica, as descobertas sonoras só foram possíveis “pela recente pausa no antropocentrismo que a covid-19 permitiu, experienciada em vários locais aquáticos em todo o mundo”. “É preciso ligar os sons às espécies”, defende o investigador, para que seja possível medir a biodiversidade e, consequentemente, definir se um determinado ecossistema é ou não saudável. “Se deixarmos de ouvir uma baleia, peixe ou caranguejo, é sinal de que há qualquer coisa em falta nos ecossistemas.”

Esta monitorização, salientam os especialistas, é fundamental no caso dos recifes de coral – que sofreram uma perda de quase 14% entre 2009 e 2018 devido às alterações climáticas, poluição e sobrepesca. A plataforma vai permitir que os cientistas acompanhem as alterações destes habitats e os reconstruam.