PS revisita a sua génese de inspiração teórica marxista e anti-totalitária

A sede nacional do partido acolheu um debate sobre a base ideológica do partido fundado, entre outros, por Mário Soares.

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NFS - Nuno Ferreira Santos

O PS promoveu esta quarta-feira um debate sobre a sua génese ideológica marcada por uma inspiração teórica marxista e anti-totalitária, a partir da recente republicação de ensaios dos dirigentes históricos socialistas António Reis e Mário Sottomayor Cardia.

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O PS promoveu esta quarta-feira um debate sobre a sua génese ideológica marcada por uma inspiração teórica marxista e anti-totalitária, a partir da recente republicação de ensaios dos dirigentes históricos socialistas António Reis e Mário Sottomayor Cardia.

A sessão, que decorreu na sede nacional do PS, em Lisboa, foi aberta pelo secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro. Teve depois intervenções do líder da JS, Miguel Costa Matos, e dos fundadores deste partido António Reis e José Leitão, e contou com a presença de Augusto Santos Silva, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, também coordenador do Fórum Mário Soares.

“O marxismo e a revolução portuguesa”, de António Reis, de 1979, e “Por uma democracia anticapitalista”, de 1973, do jornalista, professor universitário e antigo ministro da Educação Sottomayor Cardia foram os dois ensaios republicados e objecto de análise durante o debate.

José Leitão salientou o contributo para a primeira declaração de princípios do PS de Sottomayor Cardia, antifascista, preso político e que morreu em Novembro de 2006 com 65 anos, classificando-o como “um homem notável em termos de cultura, de coragem física e intelectual”.

Do ensaio “Por uma democracia anticapitalista”, José Leitão destacou o seguinte princípio político preconizado por este fundador do PS em 1973 e que dois anos antes tinha sido afastado do PCP: “A libertação do país exige que se produza uma síntese de várias correntes do socialismo democrático, tanto as que acentuam os aspectos institucionais do Estado como as que acentuam os aspectos institucionais da democracia de base. A primeira sem a segunda corre o risco de se afastar do povo; a segunda sem a primeira cai na inoperatividade ou no totalitarismo”, escreveu Sottomayor Cardia.

José Leitão observou depois que “a inspiração do marxismo, permanentemente repensado como guia de acção”, manteve-se na declaração de princípios do PS após o 25 de Abril de 1974 e apenas saiu da orientação programática deste partido em 1986, já sob a liderança de Vítor Constâncio.

António Reis fez uma breve intervenção sobretudo destinada a realçar a influência que este ensaio de Sottomayor Cardia teve em alguns dos mais importantes operacionais do Movimento das Forças Armadas (MFA).

Nos primeiros anos da democracia, Sottomayor foi deputado à Assembleia Constituinte e ministro da Educação nos dois primeiros governos constitucionais liderados por Mário Soares (1976/1978).

Voltou como deputado à Assembleia da República em 1983. Um período em que esteve na linha da frente interna para retirar orientações de inspiração ideológica marxista do programa do PS, como defendera no seu livro “Socialismo Sem Dogma”, de 1982, com prefácio do fundador e primeiro líder deste partido, Mário Soares.

António Reis, historiador, professor universitário, antigo secretário de Estado da Cultura de Mário Soares, e ex-grão mestre do Grande Oriente Lusitano, assinalou no seu ensaio “O marxismo e a revolução portuguesa”, de 1979, outras influências ideológicas que estiveram sempre presentes no PS, desde a sua fundação em 1973 na República Federal Alemã.

“[O] PS aparece assim, na sua primeira fase pós-25 de Abril, como uma espécie de mosaico vivo de quase toda a esquerda não estalinista e da própria tradição liberal republicana”, escreveu António Reis.

Esta génese do PS, segundo José Leitão, em que sob a liderança de Mário Soares se procurou combinar várias influências doutrinárias no mesmo espaço da esquerda democrática, ajudam a compreender a dimensão eleitoral que esta força política atingiu logo nos primeiros anos de democracia.

“Durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso), apesar da luta anti-gonçalvista, apareciam nos nossos comícios cartazes onde se lia: PS partido marxista”, declarou José Leitão, que foi o segundo líder da Juventude Socialista, após Arons de Carvalho.

Na abertura do debate, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, salientou a importância de “se revisitarem as razões pelas quais o socialismo democrático foi a opção consciente e responsável por parte dos dirigentes fundadores, conciliando liberdade e socialismo”.

José Luís Carneiro enquadrou também esta iniciativa no percurso para as comemorações dos 50 anos da fundação do PS em Bad Münstereifel, que se assinalam em Abril de 2023.

Já o actual líder da JS, Miguel Costa Matos, referiu-se à inspiração marxista presente na fundação do PS, mas frisou que este partido se caracterizou acima de tudo pelo “pluralismo”, dando como exemplo a influência das correntes católicas progressistas.

Miguel Costa Matos sustentou ainda que a liberdade “é o valor nuclear do PS”.

“É fundamental que o PS preserve esta ideia de liberdade para todos, de permitir que vivam as potencialidades de cada indivíduo”, declarou, numa breve intervenção em que advogou igualmente as virtudes de um posicionamento ideológico alternativo “ao liberalismo capitalista e ao centralismo estatal”.