“Bastava um rabino dizer que frequenta a sinagoga e é sefardita. É o caso de Abramovich”
Médico Joshua Ruah que foi responsável pela Comunidade Judaica de Lisboa fala, numa entrevista ao Diário de Notícias a propósito do lançamento da sua autobiografia, na forma como Lisboa e Porto fazem uma interpretação “completamente diferente” da lei que permite que judeus que provem que descendem dos que foram expulsos de Portugal há mais de 500 anos consigam obter a nacionalidade portuguesa.
"Bastava como prova um rabino de uma sinagoga sefardita - até podia ser da Cochinchina - dizer que fulano de tal frequenta a nossa sinagoga e é do rito sefardita e pouco mais. É o caso desse ‘futebolista’, o Roman Abramovich.” É desta forma que o médico Joshua Ruah, que foi responsável pela Comunidade Judaica de Lisboa, descreve, numa entrevista ao Diário de Notícias, a forma como os homólogos do Porto certificavam a origem sefardita de judeus de modo a poderem obter a nacionalidade portuguesa, como aconteceu com o multimilionário russo que é dono do Chelsea.
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"Bastava como prova um rabino de uma sinagoga sefardita - até podia ser da Cochinchina - dizer que fulano de tal frequenta a nossa sinagoga e é do rito sefardita e pouco mais. É o caso desse ‘futebolista’, o Roman Abramovich.” É desta forma que o médico Joshua Ruah, que foi responsável pela Comunidade Judaica de Lisboa, descreve, numa entrevista ao Diário de Notícias, a forma como os homólogos do Porto certificavam a origem sefardita de judeus de modo a poderem obter a nacionalidade portuguesa, como aconteceu com o multimilionário russo que é dono do Chelsea.
O médico, que está a lançar uma autobiografia, associa a lei que permite aos judeus de origem sefardita obterem nacionalidade portuguesa a um movimento que começou em 1996, ano em que fazia 500 anos o decreto de expulsão dos judeus de Portugal. “Quando se deu essa data, a comunidade não a quis deixar passar em branco e resolvi falar com o Presidente [Jorge Sampaio]”, conta Ruah, que explica que tecnicamente Sampaio era judeu porque era filho de mãe e avó judias, apesar de ser um ateu convicto.
“Disse-lhe que não o queria encravar de forma pública, mas os 500 anos deveriam ser assinalados e queríamos fazer essa referência e convidá-lo para presidir a uma comissão. Ele disse que não, pelo menos sozinho, e então sugeriu que ia convidar o presidente do Estado de Israel. (...) Decidimos chamar à iniciativa Memória e Reconciliação. Porque as coisas não se esquecem, mas podem reconciliar-se”, recorda o médico na entrevista ao Diário de Notícias (DN), dada ainda antes da detenção do rabino da comunidade do Porto. Mais tarde, recorda que Mário Soares o contactou no âmbito de uma presidência aberta dizendo que pretendia ir a Castelo de Vide, em Portalegre, fazer um discurso de perdão pela Inquisição e lhe pediu para fazer um discurso introdutório.
A realidade é que a lei só foi aprovada anos mais tarde, em 2015, devido ao que o antigo responsável pela Comunidade Judaica de Lisboa diz ter sido “uma iniciativa do PS e do CDS e com a qual a comunidade judaica nada teve a ver”. E acrescenta: “O que pensei existir era um conjunto de movimentações políticas sem importância, só que a lei portuguesa, ao contrário da espanhola, não estabelecia prazos. Achei que o assunto teria de ser tratado com pinças porque poderia haver movimentos contra e foi assim que o processo começou.”
O médico nota que, de seguida, “a direcção da Comunidade Judaica de Lisboa cai, devido a um movimento estranho e a dada altura aparece um sujeito com pouca ligação a nós, com dupla nacionalidade portuguesa e israelita, que foi buscar colaborações de quem nunca aparecia e, ao fazer uma oposição capaz, ganhou a direcção por três anos”. A determinada altura é dada à Comunidade Judaica do Porto a mesma autorização. “E percebe-se como a lei foi escrita de forma dúbia, afinal o que diz é muito simples: as pessoas que demonstrem ter ascendência de judeus expulsos de Portugal e que a possam provar documentalmente podem readquirir a sua nacionalidade”, explica, citado pelo DN.
Na Comunidade Judaica de Lisboa havia historiadores que faziam o estudo dos processos que entravam. “Entretanto, houve umas questões entre a comunidade e o rabino que arranjaram, eu estive à cabeça dessa oposição, e acabámos por correr com o rabino e a direcção”, relata. Nessa altura, chegou-se à conclusão que existia uma lista de espera para quem queria requerer a nacionalidade de umas três mil pessoas. “Então, a direcção contratou mais historiadores de modo a pôr os processos em dia”, afirma o médico.
No entanto, Joshua Ruah assume que a interpretação da lei feita pela comunidade de Lisboa foi “completamente diferente'’ da do Porto. Os números do Ministério da Justiça indiciam essa distinção, já que mostram que dos mais de 86 mil pedidos de nacionalidade ao abrigo desta legislação que deram entrada entre 2015 e 2020 em Portugal, 89% foram instruídos com um certificado da comunidade do Porto e apenas 11% com um certificado da de Lisboa.
Essa diferença levou a um corte de relações entre as duas comunidades, revela o médico. “A Comunidade Judaica do Porto cortou relações com a de Lisboa pois queria que nós lêssemos o processo do russo e recusámos, porque a de Lisboa não tinha como missão fazer censura. Eles tomaram a resposta como ostensiva”, explica. Evitando dizer que a Comunidade Judaica do Porto facilitou a certificação da origem sefardita, o médico prefere dizer que “utilizou outros critérios”. “Na realidade, o que decorre disso é a Procuradoria-Geral da República estar a investigar esse caso”, remata.