Votar pelos dois
Foi preciso o país parar. Se este sistema funciona? A resposta é um rotundo não, entre discussões sem fim sobre o envio de fotocópias de documentos pessoais, passando pela pegada ecológica do envio de milhares de votos por avião quando há embaixadas e consulados à disposição, até aos serviços de correio nem por isso fiáveis quando se corre contra o tempo nesta aldeia global.
Chega assim ao fim a saga do voto da emigração e com o seu término a nomeação de um novo Governo, um novo orçamento e os duodécimos para trás das costas. Mas antes de chegar ao fim, um último percalço. Cá em casa somos dois a votar e pelo correio só nos chegou um voto no dia 28 de Fevereiro — neste caso, o meu.
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Chega assim ao fim a saga do voto da emigração e com o seu término a nomeação de um novo Governo, um novo orçamento e os duodécimos para trás das costas. Mas antes de chegar ao fim, um último percalço. Cá em casa somos dois a votar e pelo correio só nos chegou um voto no dia 28 de Fevereiro — neste caso, o meu.
Telefono no dia seguinte para Portugal, mais precisamente para a Comissão Nacional de Eleições. Atende uma rapariga, atenciosa e simpática, explico-lhe o caso, onde residimos, o voto postal, que só recebemos um, e a rapariga pede desculpa mas não me pode ajudar. Neste caso, terei de ligar para a Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, pelo que aqui vou eu ligar para a Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna já com a guarda em riste de quem receia estar a começar o costumeiro ror sem fim de telefonemas em que todos passam a culpa e ninguém faz nada.
Felizmente, não é o caso. Atende-me uma senhora, voz pausada, nem um ruído do lado de lá, o silêncio absoluto de quem está tranquilamente só no seu local de trabalho. Igualmente atenciosa, confere os nossos dados pessoais mais o envio dos respectivos boletins. Sim, posso acompanhar o envio da carta online através de dois portais, o Portal do Eleitor ou, se preferir, o Parcelsapp.
Basta inserir o código da encomenda que começa por duas letras seguido de nove dígitos. Muito bem, obrigado, agradeço mais uma vez e desligo. Vou de imediato ao portal do eleitor e nada, o código ou não é reconhecido ou o site não funciona.
Continuo a demanda pelo Parcelsapp e a resposta, peremptória: “O site da operadora está fora do ar, tente novamente mais tarde”. Não obstante tentar nova e novamente mais tarde, nada, a mesma resposta e como o site nos dá a opção de descarregar a aplicação para o telefone, descarrego a dita e faço outra busca.
O resultado é hilariante, para não dizer preocupante: “Website is down, please try again later - DPD Russia”. Das duas uma, ou o Ministério da Administração Interna contratou o ramo russo da DPD para a distribuição dos votos postais pela Europa ou algo está mal.
Vamos deixar passar mais um dia ou dois, até ao fim-de-semana ainda há tempo e de pouco vale desesperar. Chegamos a quinta-feira, 3 de Março, e nada. Regresso ao Portal do Eleitor e faço uma busca pelo meu voto postal. Primeira conclusão: o código fornecido pela senhora atenciosa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna carece das letras PT no fim. Segunda conclusão: o meu voto postal foi enviado há sete dias e está em trânsito. Ora, o meu voto postal não está em trânsito, já chegou ao destino e está aqui nas minhas mãos. Terceira conclusão depois de inserir o código, desta vez correcto, do voto em falta: o mesmo foi enviado há oito dias, portanto há mais tempo, e está em trânsito. E neste aspecto estamos todos de acordo.
O mais tardar, esperamos pelo fim-de-semana, chegámos ao fim-de-semana e do voto postal nada. Tanto nos CTT como no Royal Mail, a mesma informação: dia 22 de Fevereiro às 17h36 o voto postal deu entrada no Balcão de Correio Empresarial Sul sito na rua Vale Formoso de Cima, Lisboa, para ser enviado no dia seguinte, 23 de Fevereiro, às 12h09, para o país de destino. Até hoje. E até hoje já se passaram 13 dias, quase duas semanas, e nada, nem voto nem tampouco a esperança de votar.
Parafraseando Salvador Sobral, “Sem fazer planos do que virá depois, o meu voto pode votar pelos dois”, votei mesmo pelos dois no dia 4. Até porque entre uma guerra, a pandemia e o Brexit, nada garante a chegada dos votos a Lisboa até ao dia 23 de Março.
Passou quase uma semana desde então, é outra vez quinta-feira, 18 dias depois do envio do voto postal, chegamos a casa à noite e o voto postal aos nossos pés! Dezoito dias depois e a 24 horas da data limite para o envio. Se connosco foi assim, que garantias há da chegada atempada de mais de 900.000 votos?
E porque há histórias que afinal acabam bem, cá em casa acabámos de exercer o direito há muito reclamado, apesar da ansiedade, da frustração, dos rios de tinta, da desilusão repetida, do esquecimento a que as comunidades cá fora têm sido sujeitas. E porque no dia seguinte é dia de trabalho, o segundo voto entrou no marco do correio às 5 da manhã.
Atingimos a meta há muito desejada: o exercício do direito de voto, a expressão da nossa vontade, a escolha livre de quem nos represente em democracia.
Foi preciso o país parar. Se este sistema funciona? A resposta é um rotundo não, entre discussões sem fim sobre o envio de fotocópias de documentos pessoais, passando pela pegada ecológica do envio de milhares de votos por avião quando há embaixadas e consulados à disposição, até aos serviços de correio nem por isso fiáveis quando se corre contra o tempo nesta aldeia global.
Por tal, este apelo aos dois deputados em breve eleitos em nome de todos os portugueses por essa Europa fora. Para que o país não pare novamente, para que a história não se repita, só o voto, o nosso, o de todos, para sempre.