“Putin da Tchetchénia” garante estar nos arredores de Kiev
Primeiro, Kadirov anunciou o envio de combatentes para a Ucrânia. Agora, diz que está ele próprio no encalço dos líderes ucranianos. Verdade ou ferramenta de propaganda, o seu nome é sempre sinónimo de terror.
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“Nazis, já estou na Ucrânia. Rendam-se ou acabaremos com vocês”, escreveu Ramzan Kadirov na rede social Telegram depois de partilhar vários vídeos onde surge a comandar uma unidade das forças especiais tchetchenas, garantindo estar perto do aeroporto de Hostomel, uns 20 quilómetros a norte de Kiev. Não há nenhuma confirmação independente da presença do líder tchetcheno na Ucrânia, apesar dos muitos relatos coincidentes sobre a participação de combatentes tchetchenos, incluindo alegados “esquadrões da morte”, no esforço de guerra russo.
“No outro dia estávamos a uns 20 quilómetros, nazis de Kiev, agora estamos ainda mais perto”, garante Kadirov. “Podem descontrair, não têm de nos procurar – nós encontramos-vos”, acrescenta, numa série de provocações aos dirigentes ucranianos (Vladimir Putin e outros responsáveis russos têm descrito a invasão como uma operação para “desnazificar” a Ucrânia e a expressão “nazis de Kiev” já foi usada para referir o Presidente, Volodimir Zelensky, e a liderança ucraniana).
Nas imagens partilhadas por Kadirov e transmitidas no canal de televisão tchetcheno Grozni surge ainda Adam Delimkhanov, o deputado da câmara baixa do Parlamento russo que é considerado um dos seus mais próximos aliados, supostamente a comandar outra unidade no terreno. Num outro vídeo, há combatentes que obrigam prisioneiros de guerra ucranianos a gritar slogans tchetchenos.
Foi no segundo dia da ofensiva russa que Kadirov anunciou o envio de milhares dos seus kadirovtsi ou kadirovitas, membros de uma força paramilitar que é a sua milícia privada (inicialmente, eram um grupo separatista liderado pelo seu pai, Akhmad Kadirov, assassinado em 2004). O anúncio veio acompanhado de imagens de um comício glorioso: o líder da República da Tchetchénia (nome oficial da república da Rússia) a discursar perante uma praça na capital, Grozni, a transbordar de milicianos com as suas habituais fardas e boinas negras. Kadirov diz que enviou 10 mil combatentes e ameaça enviar até 70 mil; a maioria dos analistas acredita que serão muito menos, entre três e sete mil.
Estará Kadirov, de facto, nos arredores de Kiev? Tendo em conta as suas credenciais de sanguinário implacável, bastará a mera sugestão para exacerbar o medo imposto pelo envio de combatentes conhecidos pelas atrocidades cometidas na segunda guerra da Tchetchénia, no Leste da Ucrânia ou na Síria (são acusados por várias organizações não-governamentais de tortura, raptos e assassínios extrajudiciais). E, a entrar na terceira semana de uma ofensiva onde os progressos têm sido mais lentos do que o previsto, quaisquer reforços, operacionais ou simbólicos, são importantes.
“Os tchetchenos estabeleceram uma reputação de combatentes duros e brutais”, diz ao jornal The Financial Times Emil Aslan, cientista político checo especialista na região do Cáucaso. “Mobilizar guerrilheiros tchetchenos tem um grande impacto psicológico.”
"Soldado raso"
Segundo responsáveis de serviços secretos ocidentais ouvidos pelo diário britânico, “esquadrões da morte” tchetchenos eram uma parte “fundamental” do plano fracassado para assassinar a liderança política ucraniana nas primeiras 48 horas da invasão. Alguns jornais europeus chegaram a escrever que forças de Kadirov tinham sido enviadas para a guerra com baralhos de cartas com os rostos dos dirigentes a abater ou capturar (a exemplo do baralho dos "mais procurados” usado pelos Estados Unidos fizeram quando invadiram o Iraque), um mero boato que não deixa de servir para promover o terror.
Se não parece haver dúvidas de que há tchetchenos a combater na Ucrânia – o gabinete de Zelensky diz que os ucranianos destruíram uma coluna de viaturas blindadas de Kadirov a 26 de Fevereiro –, alguns observadores notam que esta formidável milícia pode não ser assim tão eficaz neste contexto. Com muita experiência contra grupos de rebeldes radicais islamistas, estes combatentes não têm experiência de combate com forças militares regulares.
“Soldado raso” de Putin é como Kadirov se descreve a si próprio. “O poder dele apoia-se em propaganda, medo – e verdadeira popularidade”, descreve Gregori Shvedov, editor do site Caucasian Knot, citado num artigo da revista New Yorker. “É o Putin tchetcheno.” Certo é que Kadirov só responde a Putin – e é por isso, escreve o Financial Times, que se depender dos comandantes militares russos, as suas forças terão uma participação mínima nesta guerra. Tanto ele como os seus milicianos são imprevisíveis e incontroláveis.