A guerra na Ucrânia e o futuro da NATO
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A invasão militar da Rússia à Ucrânia, iniciada em 24 de Fevereiro de 2022, pôs fim à estabilidade da ordem de segurança europeia começada a formar em Abril de 1949, com a assinatura do Tratado de Washington. Na sua essência, a NATO é uma comunidade de segurança, baseada num conjunto valores e ideias políticas e securitárias comuns. Esta comunidade tornou-se o centro da ordem internacional liberal e democrática na Europa após fim da Guerra Fria. Na verdade, a queda do muro de Berlim em 1989 e a implosão da União Soviética em 1991 restaurou a unidade da ordem de segurança europeia, suspensa pelo conflito bipolar, sob o signo dos valores liberais, em que a NATO tem um papel primordial.
Até ao 11 de Setembro de 2001, o momento unipolar dos EUA potenciou uma arquitectura de segurança integradora da Rússia, reflectida na assinatura do Acto fundador em Maio de 1997. Cortando com a Guerra Fria, os EUA e os seus aliados deixaram de reconhecer, definitivamente, a Rússia como um adversário e assumiram o compromisso de cooperar, politicamente com este país, para garantir a paz na área euro-atlântica. Tal foi possível porque a Rússia era uma sombra daquilo que tinha sido antes de 1989, enfraquecida no sistema internacional e a braços com um frágil processo de democratização interno.
A deriva hegemónica dos EUA, de que a invasão iraquiana em 2003 foi o exemplo mais evidente, provocou uma das maiores crises nas relações transatlânticas e potenciou o revisionismo imperial russo, onde Putin despontou como líder de um regime autoritário, de cariz nacionalista e defensor da ideia de “democracia soberana”. Para os aliados europeus dos Estados Unidos, a invasão do Iraque levou o eixo franco-alemão a opor-se ao desígnio normativo norte-americano de disseminar o liberalismo democrático para além do seu berço Ocidental. Contudo, esta resistência nunca pôs em causa o alargamento da NATO a Leste, iniciado durante a administração Clinton, que, a par da UE, integrou os antigos países do Pacto de Varsóvia e as três ex-repúblicas soviéticas do Báltico. Tal foi fundamental para garantir a consolidação dos regimes pluralistas democráticos das jovens democracias europeias e resolveu o dilema de segurança destes países face ao vizinho russo. A Cimeira de Bucareste de 2008, que prometia a adesão da Ucrânia e da Geórgia à NATO, foi o auge desta política, que nunca se concretizou devido à “linha vermelha” traçada pela Rússia, na Geórgia, em 2008, e com a anexação da Crimeia, em 2014.
A resposta da comunidade transatlântica a estes dois acontecimentos, com sanções económicas e uma tentativa de acomodação das pretensões expansionistas russas, demonstrava as divergências entre os EUA e os seus aliados europeus. Os primeiros, estavam mais preocupados com a ascensão da China e com o pivot asiático do que com as questões europeias. Os segundos, estavam divididos perante a percepção de ameaça dos países de Leste em relação à Rússia e a dependência energética da UE face a Moscovo.
A invasão da Ucrânia veio pôr fim a esta divisão, revivificando a importância da Aliança. A NATO, uma organização de defesa eficaz em termos militares, mas politicamente secundarizada pela emergência do indo-pacífico na política internacional, restaurou o seu papel central na região euro-atlântica.
Ao longo de 2021, a NATO iniciou o processo de revisão do seu conceito estratégico que estará concluído em Junho deste ano (Cimeira de Madrid). Perante a crescente assertividade de Moscovo, os aliados reconheceram a conduta agressiva da Rússia como uma “ameaça”, dando novamente à Aliança o adversário que lhe faltava desde a década de 1990 (Conselho do Atlântico, Junho de 2021). A par desta mudança estratégica, a organização colocou a defesa colectiva no centro do seu pensamento estratégico, reforçando a sua postura de dissuasão e defesa a Leste. Neste processo de revisão estratégica, saliente-se o papel central dado à relação NATO-EU, que incorporou a necessidade de uma autonomia estratégica de Bruxelas no que toca a matérias de defesa e segurança.
A mudança radical na política de defesa alemã, trazida pela invasão da Ucrânia, é uma oportunidade única para o reforço da segurança europeia. Permite aumentar a resiliência na resposta à presente crise e em face de futuras ameaças convencionais, nucleares, químicas ou híbridas. Contudo, resta saber como, com o possível arrastar do conflito na Ucrânia e a continuada ameaça de Moscovo às fronteiras da NATO, será preservada a Aliança. O artigo 5.º vai ser continuadamente testado, quer pelos aliados a Leste – em busca de garantias –, quer pela Rússia, procurando expandir a sua zona de segurança. Adicionalmente, com a China a manter-se como o principal competidor estratégico dos EUA, subsiste a dúvida sobre se a coesão demonstrada nesta crise persistirá, no que toca a este assunto de interesse dos EUA.
Para Portugal, membro fundador da Aliança, a reacção da comunidade transatlântica renovou a coerência da sua política externa. País europeu e atlântico, que advoga a importância das organizações multilaterais para a paz e segurança, viu os acontecimentos actuais darem-lhe razão. A sua experiência enquanto promotor de segurança internacional será útil no presente e no futuro. Porém, a confirmação do perigo a Leste, cuja resposta conta indiscutivelmente com a solidariedade nacional, confirmada com o reforço da presença portuguesa na Força de Reacção Rápida da NATO, trará riscos para o país. Em primeiro lugar, vê secundarizada a importância do flanco sul da NATO, área vital para os interesses estratégicos de Portugal. Em segundo lugar, obrigará ao cumprimento do investimento de 2% do PIB em matérias de segurança e defesa dos países membros, acordado em 2006. Caso este não seja respaldado pela UE – como tudo leva a crer –, será necessário um esforço orçamental adicional que terá de ser esclarecido junto da opinião pública nacional.