EUA vão alertar a China para as consequências de um apoio directo à Rússia

Representantes chineses e norte-americanos reúnem-se esta segunda-feira, em Roma, e Washington quer dissuadir Pequim de auxiliar materialmente ou economicamente Moscovo. China diz que as notícias sobre pedido russo de equipamento militar chinês são “desinformação” dos EUA.

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Xi Jinping, Presidente da República Popular da China ALEX PLAVEVSKI/EPA

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A poucas horas do encontro entre representantes da Administração dos Estados Unidos e membros de topo do Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC), esta segunda-feira, em Roma, o Governo da República Popular da China garantiu que as notícias da véspera sobre um suposto pedido de material militar chinês, feito pela Federação Russa, não passam de “desinformação” norte-americana.

“Os EUA têm vindo a disseminar desinformação, com intenções maliciosas, para atingirem a China sobre a questão da Ucrânia”, denunciou Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, citado pela Reuters.

Jack Sullivan, conselheiro para Segurança Nacional dos EUA, lidera a comitiva norte-americana que se vai deslocar à capital italiana, e pretende alertar a delegação encabeçada por Yang Jiechi, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da China, membro do Politburo e presidente da Comissão Central de Assuntos Externos do PCC, sobre as consequências de um apoio de Pequim a Moscovo.

“Estamos a acompanhar atentamente [a situação] para tentar perceber até que ponto é que a China está realmente a fornecer qualquer tipo de apoio – material ou económico – à Rússia. Isso preocupa-nos”, assumiu Sullivan, em declarações à CNN.

“Já informámos Pequim de que não vamos aceitar ou permitir que qualquer país compense a Rússia pelas perdas que vai ter por causa das sanções económicas”, acrescentou.

Os jornais Financial Times, The Washington Post e The New York Times, entre outros media ocidentais, citaram fontes do Governo norte-americano que asseguraram que Pequim recebeu pedidos de ajuda do Kremlin devido à falta de determinados equipamentos militares, fundamentais para manter o ritmo da ofensiva militar na Ucrânia.

Liu Pengyu, porta-voz da Embaixada da China em Washington, respondeu, logo no domingo, que “não tinha ouvido falar” de quaisquer solicitações da Rússia de armamento ou material militar chinês.

Já nesta segunda-feira, Dmitri Peskov, assessor de imprensa do Kremlin, negou que a Rússia tenha feito qualquer pedido de apoio militar a Pequim.

“A Rússia possui o seu próprio potencial independente para continuar a operação. Tal como já dissemos, [a operação] está a decorrer conforme o plano e vai ser completada a tempo e na totalidade”, garantiu.

Ambiguidade chinesa vai a exame

A denúncia norte-americana é particularmente relevante no contexto do posicionamento ambíguo da China sobre a invasão russa. Pequim não condena Moscovo pela agressão militar – evita mesmo chamar “guerra” ao conflito e opta, quase sempre, pela designação russa de “operação militar especial” – e critica o “expansionismo” da NATO e a aplicação de sanções ao Kremlin e à economia russa.

Ao mesmo tempo defende, porém, o princípio da inviolabilidade da integridade territorial de “todos os países” e insiste no diálogo e na diplomacia para resolver a “questão da Ucrânia”. Recentemente, até se ofereceu para mediar o conflito.

A própria forma como as duas delegações descrevem os propósitos da reunião desta segunda-feira em Roma dá conta da narrativa cautelosa da China. Ao passo que a Casa Branca informa que as partes vão discutir “o impacto da guerra da Rússia contra a Ucrânia na segurança global e regional”, Pequim diz, simplesmente, que se vão abordar “questões internacionais e globais de interesse para ambos”.

Apesar desta postura aparentemente conciliadora, a China não tem conseguido, ainda assim, afastar as dúvidas dos aliados ocidentais sobre o suposto apoio “tácito” que estará a dar à Rússia, até tendo em conta que, duas semanas antes da invasão, Xi Jinping, Presidente chinês, recebeu Vladimir Putin, homólogo russo, em Pequim, e, juntos, anunciaram uma parceria “sem limites” e sem “áreas proibidas” de cooperação entre os dois países.

Conscientes da influência e poderio económico chinês, mas também dos limites da ambiguidade de Xi sobre a Ucrânia para os seus próprios propósitos geopolíticos, EUA, NATO, União Europeia e os seus aliados têm tentado pressionar a China a tomar uma posição mais firme sobre a guerra.

Idealmente, a ideia seria isolar Putin e forçá-lo a negociar. Mas o cenário oposto, em que Pequim assumiria publicamente o seu apoio a Moscovo, não agrada ao PCC, uma vez que colocaria a China numa posição que tanto tem criticado: a de figurar num dos blocos antagónicos de uma suposta nova Guerra Fria, ao lado da Rússia. E isso pode ser, em si, uma ferramenta de pressão.

“Se a China contribuir materialmente para a máquina de guerra da Rússia na Ucrânia (…), essas acções irão acelerar a clivagem do mundo em direcção a blocos adversários”, alerta Ryan Hass, especialista em China e Ásia no think tank norte-americano Brookings Institution.

“Seria inteligente para os EUA falarem agora, directamente e em privado, com as autoridades chinesas, para esclarecerem as ramificações estratégicas das decisões actuais da China no longo prazo”, escreve o investigador, numa série de publicações, no Twitter.

É nesse contexto que Robin Brant, correspondente da BBC em Xangai, olha para o timing da denúncia sobre o alegado pedido de apoio militar da Rússia. Em vésperas do encontro em Roma, analisa o jornalista, pode ser uma “jogada táctica” dos EUA, “para pressionar” o Governo chinês a tomar partido.

“O objectivo maior [destas revelações] pode ser o de tentar fazer com que Xi Jinping pese os prós e os contras da sua actual posição sobre aquilo que na semana passada designou com uma relação ‘firme como uma rocha’ com Moscovo”, escreve Brant, num artigo de análise publicado no site da estação televisiva britânica.