Sinais de fumo branco no dia em que a guerra bateu à porta da NATO
Ataque a uma base militar junto à fronteira com a Polónia levou a ofensiva russa para uma zona nova da Ucrânia, enquanto negociadores de ambos os lados falam em possíveis acordos nos próximos dias.
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As sirenes que alertam para a iminência de um ataque aéreo tornaram-se num ruído constante desde que começou a guerra na Ucrânia, até mesmo em Lviv, a cidade a ocidente que se tornou abrigo para muitos deslocados e refugiados que ali param antes de rumar à Polónia. Até este domingo, as sirenes tocavam e nada acontecia. Mas, ao 18.º dia da invasão russa, o silêncio da madrugada de Lviv foi cortado também pelo som de explosões.
A cerca de 50 quilómetros da cidade, a base militar de Iavoriv foi bombardeada pela Rússia. Pelo menos 35 pessoas morreram e 134 ficaram feridas, segundo as autoridades ucranianas. Já o Ministério da Defesa russo alegou ter matado “até 180 mercenários estrangeiros” e ter destruído uma grande quantidade de armas fornecidas à Ucrânia por países ocidentais.
O ataque trouxe a guerra para as portas da NATO e da União Europeia: a base militar fica a 25 quilómetros da fronteira com a Polónia. Não muito longe passam as estradas que os ucranianos usam para escapar às bombas e que, embora não haja detalhes públicos sobre essas operações, estarão também a ser usadas para fazer entrar no país o armamento prometido à resistência.
“Estamos muito assustados. Até esta manhã tínhamos a esperança de que a guerra parasse na Ucrânia oriental”, disse à BBC um morador de Iavoriv. “Agora percebemos que não interessa onde vivemos. Não estamos seguros. Como é que a Polónia pode estar segura?”, interrogava-se outra residente.
Também à BBC, o presidente da Câmara de Lviv repetiu o apelo para ser criada uma “zona de exclusão aérea” na Ucrânia. “Europeus, vejam se percebem a situação: é fácil falar, beber café e dizer que estamos muito preocupados. Mas a cada hora que os céus não estão fechados, os russos estão a matar civis e crianças”, declarou Andrii Sadovii. “Precisamos do céu fechado, precisamos de equipamento militar. Precisamos de uma decisão hoje. Precisamos de coletes antibalas hoje, não amanhã. Amanhã, os mísseis russos acabam na União Europeia”.
Já falam em assinar papéis
O alargamento da ofensiva russa a novas zonas da Ucrânia verifica-se no dia imediatamente seguinte à declaração do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Riabkov, de que os carregamentos de armas provenientes do Ocidente seriam considerados “alvos militares legítimos”.
Mas acontece igualmente no dia em que ambas as partes fizeram as afirmações mais ousadas sobre o processo negocial desde o início do conflito. “Penso que vamos alcançar alguns resultados numa questão, literalmente, de dias”, disse Mikhailo Podoliak, negociador ucraniano. Do lado russo, um passo ainda maior foi dado pelo negociador Leonid Slutski: “De acordo com as minhas expectativas pessoais, o progresso [das negociações] pode evoluir nos próximos dias até a uma declaração conjunta das duas delegações, até a documentos para assinarmos.”
O Kremlin anunciou, ao fim da tarde, que uma nova ronda de conversas teria lugar esta segunda-feira por videoconferência, noticiou a Reuters. Será a quarta vez que as delegações negoceiam. Nos três primeiros encontros, todos na Bielorrússia, discutiu-se sobretudo a abertura de corredores humanitários.
O optimismo das declarações deixa, no entanto, várias perguntas no ar. O que é que realmente está a ser discutido entre as partes? O fim da guerra? Um cessar-fogo temporário? Que exigências e cedências estão a ser debatidas?
Os russos “começaram a falar de coisas concretas e deixaram de apenas lançar ultimatos”, disse Podoliak ao jornal russo Kommersant, citado pela Reuters. “Não vamos ceder em princípio em nenhuma posição. A Rússia já entende isto e está preparada para começar a falar construtivamente”, acrescentou.
Engolir o “intragável”
É entre estes sinais contraditórios sobre o rumo dos próximos dias que a retórica de guerra faz o seu caminho. O Presidente polaco, entrevistado pela BBC, admitiu que a utilização de “armas de destruição maciça” pela Rússia poderia levar a uma intervenção da NATO, que até agora se tem mantido firme na rejeição de um envolvimento directo no conflito.
“Se me pergunta se Putin pode usar armas químicas, eu penso que Putin pode usar qualquer coisa neste momento, especialmente quando está nesta situação difícil”, disse Andrzej Duda. “Se ele usar armas de destruição maciça, isso seria uma mudança fulcral [gamechanger] na situação. [A NATO] teria de se sentar e pensar seriamente no que fazer, porque senão começa a ser perigoso não apenas para a Europa, mas para todo o mundo.”
Sem ir tão longe, o conselheiro nacional de Segurança dos Estados Unidos afirmou que “o uso de armas de destruição maciça seria uma linha chocante que Putin cruzaria no seu ataque às leis e normas internacionais”. Em entrevista à cadeia de televisão norte-americana CBS, Jake Sullivan garantiu que Washington está em contacto directo com Moscovo para tentar evitar um eventual ataque com armas químicas e que, se tal acontecesse, a Rússia pagaria “um preço muito alto”. Quanto a uma intervenção da NATO, Sullivan voltou a deixar claro que isso só aconteceria se um país-membro da aliança fosse directamente visado.
O assessor de Joe Biden viaja esta segunda-feira para Roma, onde se vai encontrar com o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Yang Jiechi, para discutir a situação na Ucrânia. A China, que assinou com a Rússia uma parceria “sem limites” apenas duas semanas antes de a invasão ter começado, tem mantido uma posição ambígua sobre a guerra e tenta apresentar-se como possível mediadora de um acordo de paz.
O país “está numa posição única para agir como mediador neutral”, escreveu no The New York Times um assessor do Governo chinês, Wang Huiyao. “Estamos numa espiral de escalada. Aumentar a pressão sobre Putin vai provavelmente tornar a situação ainda mais perigosa”, defendeu, no artigo de opinião. “Por muito que alguns no Ocidente considerem a ideia intragável, é o momento de fornecer ao líder russo uma saída com a ajuda da China.”
Antes de partir para Itália, Jake Sullivan declarou à CNN que já disse a Pequim que “haverá certamente consequências se houver apoio à Rússia para evitar as sanções”. O Financial Times e o Washington Post noticiaram, ao fim do dia, citando fontes dos serviços secretos norte-americanos, que Putin pediu equipamento militar à China, mas não se sabe qual foi a resposta. A Embaixada da China em Washington reagiu à notícia com um comunicado enviado à Reuters no qual afirma que a prioridade é evitar uma maior escalada da situação, uma vez que “a actual situação na Ucrânia é realmente desconcertante”.
Mais de 2,6 milhões de ucranianos fugiram do país desde o começo da guerra. Até agora, a ONU confirmou que morreram 596 civis e 1067 ficaram feridos, mas os números reais “são consideravelmente mais altos”.